A Geringonça vai a caminho de aprovar o quinto orçamento da sua história. Nesta versão 2.0, não há um acordo escrito, mas mantém-se o método da anterior legislatura. Senão vejamos. O Governo propôs um orçamento com o primeiro excedente da história da democracia. O Bloco de Esquerda e o Partido Comunista vociferaram contra esse excedente — nas suas palavras, ‘o Estado não pode dar lucro!’. Depois, com mais ou menos dramatismo, nas negociações na especialidade, Bloco e PCP conseguiram o acordo do Governo para um conjunto de medidas que não põem em causa o excedente orçamental. Assim, o orçamento para 2020 será, muito provavelmente, aprovado mais uma vez pela Geringonça.

De entre as medidas acordadas pela Geringonça, destaca-se o aumento extraordinário até 10 euros para as reformas que não ultrapassem os 658 euros. Esta medida beneficia cerca de 1,5 milhões de pensionistas e tem um custo de cerca de 140 milhões de euros. Trata-se de uma medida que beneficia um dos grupos mais vulneráveis da população portuguesa.

No grupo de medidas aprovadas pela Geringonça, destacam-se ainda o aumento do apoio aos passes sociais para transportes públicos, a melhoria no acesso às creches ou o completamento solidário para idosos. Apesar de avulsas, estas medidas contribuem para uma maior justiça e coesão social, sem pôr em causa a sustentabilidade orçamental. Além disso, asseguram a estabilidade política, um activo que tem sido fundamental para a recuperação económica do país. Concluindo, a Geringonça continua a funcionar e, no curto prazo, não sai muito cara aos portugueses.

A ‘oposição’, pelo contrário, continua sem capacidade para propor alternativas credíveis ao orçamento da Geringonça e à lógica de curto prazo que impera na actual conjuntura política.

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A principal bandeira do PSD na discussão do orçamento na especialidade foi a descida do IVA da electricidade. Esta proposta é apoiada também pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP. Ao contrário do PSD, estes partidos não estão preocupados com medidas de compensação. Não admira. A sustentabilidade das finanças públicas nunca foi uma prioridade da esquerda radical. Por outro lado, já deram sinais de que não se trata de uma medida necessária para aprovarem o orçamento.

Há bons argumentos para a redução dos custos da eletricidade em Portugal. Em termos de paridade de poder de compra, Portugal surge em quarto lugar nesse ranking da UE. Uma percentagem significativa das famílias portuguesas não tem capacidade para aquecer (e arrefecer no Verão) as suas casas. Porém, há argumentos sólidos contra a redução do preço da electricidade. Primeiro, o incentivo ao consumo de energia, que resultaria de uma descida do preço, colide com o objectivo da sustentabilidade ambiental e da neutralidade carbónica em 2050. Neste contexto, apenas o PAN, que se opõe à redução do IVA, se manteve coerente. Segundo, esta proposta tem um impacto orçamental não despiciendo. Na verdade, é isto, em grande parte, que tem estado no centro desta discussão. Por essa razão, o Governo traçou uma linha vermelha. Uma descida do IVA sobre a eletricidade de 23% para 6% levaria a uma perda de receita fiscal de cerca de 800 milhões de euros anuais (0,4% do PIB). Para 2020, significaria passar de um excedente de 0,2% para um défice de 0,2%. As propostas de implementação da gradual redução do IVA do Bloco, do PCP e do PSD são um embuste. São mais um exemplo da visão de curto prazo prevalecente na discussão política em Portugal. Estaríamos a transferir para os orçamentos dos anos seguintes a perda de receita.

É verdade que o PSD defende que a descida do IVA da electricidade não deve colocar em causa a sustentabilidade orçamental. Mas não são claras as medidas compensatórias que propõe para esse efeito. Agora, como aquando da polémica da progressão nas carreiras dos professores, surgem dúvidas em relação ao comprometimento do PSD com a sustentabilidade das contas públicas. Esta ambiguidade representa um corte com o principal programa do PSD nas duas últimas décadas. Dado o elevado valor da dívida pública (cerca de 120% do PIB) e o risco que continua a representar para Portugal, é cedo demais para abdicar do princípio das ‘contas certas’.

Um menor empenho na consolidação orçamental poderia justificar-se pela necessidade de investimentos em áreas-chave para a competitividade das empresas ou da economia. Ou, no campo da fiscalidade, medidas que melhorassem as condições de investimento (por exemplo, eliminação da derrama estadual do IRC) ou a atração e fixação de talento (por exemplo, alargamento dos benefícios fiscais em sede de IRS para jovens qualificados). Em vez disso, o PSD elegeu uma medida que exige um grande esforço orçamental e que se dirige essencialmente ao consumo de todas as famílias.

Com a proposta de redução do IVA da electricidade, o PSD distancia-se dos dois princípios que nortearam a sua acção nas últimas décadas, e que projectavam o país para além do curto prazo: a sustentabilidade das contas públicas e a promoção da competitividade das empresas.