Os últimos anos pareceram trazer grandes ameaças à globalização. Assiste-se, já há algum tempo, a uma tendência de regionalização das trocas comerciais. Os acordos entre países para a liberalização do comércio decorreram essencialmente a nível continental e não global, reforçando a ligação entre empresas e o acesso a produtos diferenciados apenas a esse nível. O funcionamento da Organização Mundial do Comércio está ameaçado por falta de recursos e de juízes para arbitrarem as relações entre os países.

Na América do Norte houve uma renegociação do acordo NAFTA, que resultou na subida de algumas tarifas e da inclusão de salários mínimos como forma de reduzir as diferenças de custos de produção entre países mais e menos desenvolvidos. Na Europa, está finalmente a concretizar-se a saída do Reino Unido da UE, não sendo ainda conhecidas as regras que irão regular as relações a partir de 2021, mas prevendo-se que sejam impostas barreiras nos dois sentidos. O acordo de parceria Trans-Pacífico foi rejeitado pelos EUA e foi substituído por outro com a participação de um número de países mais reduzido.

Esta tendência está a ser agravada pela crise do Coronavírus, que afecta o crescimento económico no mundo inteiro, e este facto só por si já está a ter um efeito negativo na globalização. A crise faz-se sentir ao nível do investimento estrangeiro, uma vez que alterou as decisões das empresas e a incerteza que afecta as economias torna pouco provável que os níveis de investimento realizados pelas multinacionais em outros continentes recuperem rapidamente.

O Covid-19 demonstrou ainda quão perigosas se tornaram as deslocações, afectando de forma definitiva, e por muitos anos, indústrias como o turismo ou os transportes.

Os Estados estão também a aumentar a sua intervenção nas economias, reforçando uma tendência que já tem mais de 100 anos e que vai muito para além das medidas temporárias de apoio por causa dos efeitos do Covid-19.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Na Saúde levantaram-se receios sobre o elevado risco de dependência do exterior para o fornecimento de equipamentos ou de medicamentos, havendo pressão política para o seu “reshoring” nos países de origem.

A UE e os EUA estão a pressionar as empresas para substituir investimento no exterior e investirem localmente. Alguns países da UE, com destaque para França, já há vários anos que pressionam para o aumento dos já enormes subsídios às empresas nacionais e para a sua protecção face a investidores externos, usando como argumento o perigo do investimento chinês, mas visando em simultâneo outras nacionalidades.

O esforço para combater os efeitos económicos e sociais da pandemia está a exigir muitos recursos, e os estados vão querer aumentar os impostos, prejudicando a globalização. A recente ideia da Comissão Europeia para aumentar o seu poder através da criação de novos impostos é, sem dúvida, muito preocupante, pois seremos sempre nós a pagá-los. O disfarce de que são impostos sobre as empresas é uma falsidade (como as taxas sobre o digital ou sobre as transacções financeiras), pois são apenas as pessoas que pagam os impostos, além de que constituem um desincentivo ao emprego nestas áreas, ao desenvolvimento digital e ao financiamento das empresas.

As necessidades desta crise estão a facilitar estas tendências negativas e a realçar perigos reais para a globalização. Tudo isto é preocupante, mas os seus efeitos estão a ser exagerados. Há quatro razões que levam a pensar desta forma:

1 As cadeias de valor global sempre foram principalmente regionais e não globais. Apenas em poucos casos são verdadeiramente globais, pois os custos de transporte raramente o permitem. A reafectação de alguns investimentos de empresas que se observa actualmente, é anterior à pandemia e traduz, acima de tudo, o contributo do capitalismo para a melhoria dos níveis de vida das populações dos países emergentes. A globalização e o capitalismo reduziram enormemente as desigualdades existentes a nível global, melhorando os salários dos trabalhadores e, por essa via, reduzindo o efeito da vantagem comparativa que estes países tinham em termos de custos de produção. Por este motivo, as empresas começaram já há alguns anos a reequacionar a localização da sua produção. Mas o melhor nível de vida nos países menos desenvolvidos vai continuar a ser um forte motor do crescimento do comércio e do investimento, com efeitos muito positivos na globalização.

2 A globalização trará novas oportunidades que agora ainda são mal avaliadas. O comércio digital nacional e internacional já tem um peso significativo mas ainda possui muita margem para crescer. Como escrevi aqui, a pandemia está a acelerar a alteração nas formas de trabalho, fazendo com que seja cada vez mais fácil prestar serviços sem necessidade de presença física diária, nem deslocações frequentes, e em sectores tão diversos como a Educação, a Saúde, a Justiça ou em qualquer outra área económica. Apesar de existirem ainda limitações em termos de medição da actividade económica, estas mudanças conjugam um efeito positivo no ambiente, com o crescimento e o desenvolvimento, sendo por isso sustentáveis e retirando argumentos aos fundamentalistas que nos querem impor o seu modo de vida.

3 O papel do Estado também será limitado, pois os apoios no âmbito do Covid-19 em benefício das pessoas e das empresas nacionais deverão ser temporários e retirados logo que deixem de ser necessários. Há aqui um risco evidente, pois é mais fácil e popular para os governos dar apoios do que retirá-los. Mas o nível de endividamento dos estados vai aumentar significativamente com esta crise e no período que se lhe seguir haverá necessidade de implementar políticas de austeridade, mesmo que lhe deem outro nome e para desespero dos que acham que o dinheiro cai do Céu gratuitamente. Esta austeridade terá efeitos negativos no crescimento, mas que serão apenas temporários, especialmente nos países que tiveram uma gestão responsável das finanças públicas nas últimas décadas.

4 Finalmente, o principal argumento de que a globalização não está em risco é que é um fenómeno descentralizado e promovido pela acção autónoma e por inúmeras decisões individuais feitas por biliões de pessoas. A grande vantagem da globalização é não ter qualquer “organizador” centralizado a comandá-la, mesmo havendo cada vez mais pressão dos internacionalistas utópicos para acabar com esta liberdade. Mas enquanto assim for, enquanto depender da vontade daquelas pessoas, esta será sempre a melhor garantia de que a globalização veio para ficar.

A continuidade da globalização é essencial para os portugueses. Portugal não consegue crescer e desenvolver-se sem a globalização, que se tornou essencial para que a sociedade portuguesa se possa libertar da anestesia de um Estado omnipresente, castrador e abusador das nossas liberdades.