A derrota foi grande, mas a esquerda americana não quer bater no peito. Por isso, dão-lhe jeito explicações que não a comprometam. Uma delas é a inflação: antes das eleições, a esquerda negou que tivesse importância; agora, interessa-lhe dizer que os eleitores só estavam descontentes por causa da subida de preços, e não por causa do wokismo e do caos migratório. Outra explicação conveniente é esta: Kamala Harris perdeu por ser mulher e negra. A questão aqui é a seguinte: isso só se aplica a Harris? Em 2022, em França, Marine Le Pen perdeu para um homem. Porque a França, misógina, recusa uma mulher como presidente? Este ano, no Reino Unido, Rishi Sunak perdeu para um branco. Porque o Reino Unido, racista, rejeitou um chefe de governo de origem indiana? Não, dirá a esquerda: o facto de Le Pen ser mulher e Sunak ter raízes na Índia é irrelevante. Porquê? Porque são políticos de direita.

Foi por isso que a eleição, no Reino Unido, da primeira mulher negra para dirigir um grande partido ocidental passou despercebida: Kemi Badenoch não conta, porque é líder do Partido Conservador. Nos EUA, Condoleezza Rice, a primeira mulher a servir como National Security Adviser e a primeira mulher negra a servir como Secretária de Estado, também não fez história: era do Partido Republicano.

É verdade: a direita também não as apresentou como a esquerda teria feito. À direita, foram propostas como as mais capazes, independentemente das suas origens. À esquerda, teriam sido ostentadas como emblemas identitários, independentemente dos seus méritos. Foi o caso de Kamala Harris.

Isto não é um detalhe anedótico. É uma questão política fundamental. As sociedades ocidentais mudaram e estão a mudar. Mudaram na relação entre os sexos, e estão a mudar, através das migrações, na sua composição demográfica. Foquemo-nos na questão demográfica. A extrema-esquerda vê nas “minorias” o que viu outrora na “classe operária”: uma massa de manobra para destruir a democracia liberal e a economia de mercado. Convém-lhe que essas “minorias” permaneçam segregadas, em guetos, prisioneiras de narrativas de ressentimento anti-ocidental. Interessa-lhe o descontrole das migrações e pactua com o fundamentalismo islâmico. Não deseja a integração, mas apenas agitar a questão da integração, como meio de desordem e subversão.

A esquerda social-democrata alinhou neste projecto, não para fazer uma revolução como a extrema-esquerda, mas para ganhar eleições através da mobilização de eleitores arrumados em batalhões étnicos, e dependentes do tipo de Estado despesista e absorvente favorecido pela esquerda. Eis porque promove uma diversidade étnica que nega a diversidade de pensamento. Viu-se isso na indignação da esquerda contra os latinos e os afro-americanos que votaram Donald Trump: não tinham o direito de o fazer. Para a esquerda, é como se as “minorias” não devessem dispor da pluralidade de opções políticas dos outros cidadãos.

Essa é uma maneira de tratar as pessoas que estão a chegar ao Ocidente. A outra é tratá-las como indivíduos e famílias que vieram para disfrutar a liberdade política, a segurança jurídica, a coesão social e a prosperidade económica das nações ocidentais, e que, portanto, estão entre os primeiros interessados em defender os valores e as instituições onde assentam liberdade, segurança, coesão e prosperidade. Esse é o grande desafio para o movimento conservador liberal. O ponto não é reverter a mudança demográfica, mas controlá-la e enquadrá-la, de modo que não constitua, como quer a extrema-esquerda, uma mudança de valores e de instituições. É a grande batalha política do nosso tempo.

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