O Ministério da Economia promete tornar-se no centro de gravidade da governação de Luís Montenegro, dando ao lado da produção – ou da oferta como os economistas lhe gostam de chamar – a atenção necessária para conseguirmos aumentar o crescimento. Um objetivo e uma opção especialmente importante quando é hoje vulgar ouvir, nos fóruns sobre economia, que Portugal tem de facto uma oportunidade neste tempo em que a energia (barata) vai ser determinante para o crescimento, em que assistimos a um reajustamento da globalização com a Europa da União a apostar na sua autonomia estratégica e na reindustrialização e em que se procuram localizações estáveis e seguras.

O país de sol e vento tem condições para produzir energia barata, a qualificação da mão-de-obra, que até exportamos, é uma vantagem por aproveitar, e a segurança é um bem que, pelo menos por enquanto, ainda não desperdiçámos. O que falta fazer está muito mais nas mãos do Estado do que das empresas, ainda que estas possam ser um pouco mais ambiciosas e igualmente, pelo menos algumas, mais racionais nos salários que pagam e na valorização dos seus trabalhadores. Além disso, o anterior Governo esqueceu-se do lado da oferta.

O programa “Acelerar a Economia”, independentemente de cada um, no seu ponto de observação, poder considerar que deveria ter dado mais atenção a este ou aquele tema e se deveria ter focado em menos objetivos, constitui um bom começo. O ministro da Economia Pedro Reis conhece bem o tecido empresarial português e sabe bem o que é preciso fazer. E o que é preciso fazer acaba por não ser muita coisa, se levarmos em conta aqueles que são, há muito tempo, os principais alertas dos empresários.

Primeiro a simplificação, acção que deveria estar no topo das prioridades. A burocracia, a proliferação de autorizações que se têm de solicitar às mais variadas entidades públicas, que não falam umas com as outras, e o intrincado de legislação que, há razões para suspeitar, já ninguém parece dominar e que acaba por paralisar quer a classe política que decide como os próprios funcionários, receosos de acabarem a enfrentar um qualquer tipo de processo, constituem elementos fortemente desincentivadores da iniciativa empresarial. A própria União Europeia, através da Comissão Europeia, entrou numa fúria legislativa que em nada contribui para o investimento. Não é por isso de estranhar que alguns empreendedores prefiram começar os seus projetos nos Estados Unidos.

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Pelo menos para não agravar a situação, cada nova lei, decreto-lei e até portaria deveria passar previamente por uma avaliação de benefício/custo, comparando os ganhos que se obtêm, com as regras que se querem aplicar, com os custos que elas vão ter – e não são apenas custos financeiros, são custos económicos. A própria União Europeia deveria parar para pensar e olhar para a quantidade de regras que está a criar, fazendo uma reflexão sobre as suas vantagens.

A simplificação deveria obviamente incluir toda a área fiscal. Sim, reduzir os impostos é importante – querendo acreditar que as empresas vão multiplicar em crescimento o dinheiro que não vão entregar ao Estado. Mas é igualmente importante reduzir o custo burocrático de pagar impostos e revisitar todas as “taxas e taxinhas”.

O primeiro-ministro, tem-no dito várias vezes, quer que a política fiscal seja um instrumento de política económica, sem descurar a necessidade de receita do Estado. É nesse contexto que se insere a redução do IRC, o alargamento, com a regulamentação, a mais profissões do que as previstas na legislação do Incentivo Fiscal à Investigação Científica e Inovação – que consagra uma taxa de 20% para quem vier trabalhar para Portugal – , as medidas que pretendem acabar com o desincentivo fiscal ao ganho de dimensão e ainda o plano de IRS que tinha e que acabou chumbado no Parlamento. Neste quadro, a medida que menos se compreende é a do IRS Jovem que, como diz o FMI, tem um custo demasiado elevado e certo para um benefício bastante incerto.

Nesta utilização da política fiscal como instrumento de política económica – muito virada para a dinamização da produção – é preciso que o Governo não se esqueça do papel que o IRS tem nos objetivos de equidade. Sim, os mais liberais defendem, com alguma racionalidade, que os impostos não devem ser usados para combater as desigualdades, estas devem ser atacadas através da despesa pública. Mas Luís Montenegro não parece defender essa tese, nem ela é viável num país em que a Educação e a Saúde fornecida pelo Estado funcionam mal e em que as políticas sociais se concentram fundamentalmente nos rendimentos mais baixos. Era todo um modelo que teria de mudar, o que não é o mais aconselhável nem racional.

Temos depois a Justiça administrativa e fiscal. Tem de ser possível melhorar essa frente que todos reconhecem, há muito, ser um problema para as empresas. Não se consegue perceber porque é que este problema não é resolvido de uma vez por todas.

Finalmente o Estado tem de oferecer as infra-estruturas para as empresas e para os cidadãos em geral. Não faz sentido que, numa altura em que descarbonizar é a prioridade, Lisboa seja uma das seis cidades europeias sem ligação ferroviária a uma que seja cidade europeia. E já estivemos melhor, uma vez que o  Sud Expresso (Lisboa–Hendaya) e Lusitânia Expresso (Lisboa–Madrid) foram suspensos em Março de 2020 e ainda estamos à espera que regressem. Temos o problema do aeroporto, por demais conhecido. E temos ainda todos os problemas na frente da gestão de resíduos, em ligação com a economia circular, que tem impedido as empresas, pelo menos algumas, de irem mais longe neste domínio. No caso da energia, os licenciamentos são o problema mais grave mas que a ministra do Ambiente já começou a atacar.

O ministro da Economia, na entrevista que deu ao jornal Público, revela ter consciência dos problemas que as empresas enfrentam nomeadamente quando nos diz que “a fiscalidade excessiva, a burocracia, a agilização da justiça económica e a simplificação fiscal” fazem parte das prioridades.  Temos de entrar agora na fase da concretização das medidas anunciadas.

Claro que muitas destas medidas, nomeadamente todas as da área fiscal, têm de ir ao Parlamento e não sabemos se o PS, mais amigo de políticas do lado da procura, as vai aprovar. Os sinais que tem dado, designadamente quanto à descida do IRC, não vão no sentido da sua aprovação. Mas no Orçamento do Estado para 2024 veremos.

A prioridade que o Governo de Luís Montenegro está a dar ao que os economistas designam como “o lado da oferta” tem o problema de levar tempo a produzir efeitos, razão pela qual os governos gostam menos deste tipo de política. O facto de o primeiro-ministro ter dito que não se importa com isso – disse-o, por exemplo, na conferência da Business Roundtable Portugal e na Millennium BCP Talks Lisboa -, diz-nos que esses efeitos até podem chegar depois da sua passagem pelo Governo. Sabendo qual é a função objetivo de um político, é difícil acreditar nesse desapego, o que significa que, em paralelo têm, e devem, existir políticas com impacto no curto prazo. A vida deste Governo depende da sua popularidade.

Chegou a hora das políticas do lado da oferta depois de os governos de António Costa, desde finais de 2015, se ter concentrado na disciplina financeira do Estado, com efeitos na degradação dos serviços públicos, e na redistribuição do rendimento, políticas que têm óbvios limites e que estavam a ser atingidos quando o ex-primeiro-ministro se demitiu. Esperemos que Luís Montenegro não cometa o mesmo erro, mas ao contrário, focando-se apenas na vida das empresas. É verdade que não se distribui quando não se tem, mas podemos ir redistribuindo à medida que se cresce. Uma boa combinação entre políticas do lado da oferta e da procura é a receita mais adequada ao desenvolvimento, que inclui crescimento e equidade.