A crónica pós-eleitoral é um clássico da imprensa portuguesa. No dia seguinte ao sufrágio, os comentadores fazem o chamado rescaldo, apontando vencedores e vencidos, as surpresas e desilusões, as previsões para o mandato do recém-eleito e as questões sobre o futuro político dos derrotados. Uma espécie de autópsia realizada pela Maya.
Confesso, estava em pulgas para a escrever. Apetecia-me um dia de trabalho calmo, a verter os apontamentos que fui tirando durante a noite eleitoral. Já tinha notas para os Altos & Baixos: Marcelo nos “altos”, claro; Bloco nos “baixos”, óbvio; e Chicão nos “empoleirados”. Também tinha um rascunho sobre a organização das eleições, tendo em conta o tempo de espera para votar em alguns sítios. Ia dizer que Eduardo Cabrita deveria ter usado todos os meios à sua disposição, nomeadamente os inspectores do SEF que têm prática em fazer pessoas chegarem mais depressa às urnas.
Enfim, ia ser uma tarde sossegada. Infelizmente, não está a ser possível. Não estou a conseguir concentrar-me porque o Governo proibiu todas as escolas, até as privadas, de terem aulas online e os meus filhos devem achar que a proibição também se aplica ao meu trabalho.
Há quem, maldosamente, culpe o radicalismo socialista, pois vêem nesta decisão o pior do igualitarismo, a nivelar por baixo e a castigar as escolas privadas que se prepararam com tempo para a hipótese bastante provável de termos de confinar novamente. São os críticos azedos de uma suposta deriva esquerdista deste Governo, que, afirmam, despreza a iniciativa privada, como se vê nas conversas sobre os hospitais privados ou a nacionalização da TAP. Para estas pessoas, o Governo põe a ideologia à frente do bem-estar das crianças.
Não podia ser mais longe da realidade. Se o Governo não conseguiu equipar os alunos da escola pública com o equipamento que tinha prometido e por isso acabou com as aulas para todos, a culpa não é do socialismo. É, evidentemente, do capitalismo. Como concordará qualquer pessoa que já tenha tentado adquirir um computador na Worten. Convido o leitor a fazer a experiência. Abra a página da loja virtual e procure “portáteis”. Aparecem 221 resultados. Como escolher? Pelo preço? Pela marca? Há dezenas. Qual o processador? INTEL ou AMD? Quanto de memória? Quer a RAM, quer a de armazenamento? Que tipo de placa gráfica? E o sistema operativo?
Uma economia de mercado que proporciona ao consumidor esta escolha é inimiga do povo. Coitado de Tiago Brandão Rodrigues, que ainda está com a cabeça em água, sem conseguir decidir-se. Deve ter feito um excel para comparar máquinas com dados da Deco Proteste. Os críticos dizem que, desde Abril, o Ministro teve 10 meses para tratar disto. Como se fosse tempo suficiente. Se contarmos com quatro meses para escolher o aparelho, chegamos a Agosto. Metem-se as férias e não há ninguém no Ministério para fazer a encomenda. Em Setembro, mais vale esperar pela Black Friday. Entretanto, saíram novos modelos, há que reavaliar. E, já agora, aproveitamos as promoções de Janeiro. Portanto, é preciso ser muito hipócrita para atacar Brandão Rodrigues por ainda não ter proporcionado as condições informáticas, quando a culpa da falta de condições informáticas é das grandes empresas de retalho que disponibilizam óptimas condições informáticas em demasia.
Obviamente, se não há os computadores para que as crianças da escola pública continuem a usufruir do ensino à distância que tão boa conta deu de si no ano passado, então não vale a pena continuar com o ensino à distância, que é uma grande bodega e não ajuda ninguém. Pelo menos durante as próximas duas semanas. Depois disso, o ensino à distância é outra vez bom.
É uma boa decisão de Brandão Rodrigues, a bem da igualdade. Acaba com uma política que cava o fosso entre ricos e pobres, substituindo-a por uma política que põe ricos e pobres, lado a lado, a cavarem fossos. E valas, roços e covas. Buracos em geral, como é costume nas obras. A construção civil é para onde vai quem não tem qualificações para trabalhar noutro sítio. Como os alunos que frequentaram o ensino durante o consulado deste Ministro.
Depois da Geração Rasca, vamos ter a Jérassão Raxca. Quando forem estudantes universitários, só não mostram o rabo com “não pago” lá escrito, porque não sabem se “pago” é com “u” ou com “o”. Aliás, se escreverem alguma coisa é “não me pagam”, porque vão estar no desemprego.
As consequências das ideias de Brandão Rodrigues não são continuar a ter os miúdos em casa daqui a 15 dias. Essa já dou de barato. O pior é continuar a tê-los em casa daqui a 15 anos por não conseguirem arranjar emprego e terem de viver com os pais. Como descobrimos quando saíram os resultados dos TIMMS, esta geração deixou de contar.