Comecei a escrever uma coluna semanal no Observador há pouco mais de um ano. Gosto de novos desafios. Este começou com um generoso convite do Henrique Burnay para participar num programa semanal – Café Europa – de debate sobre as complicações da política europeia e as suas enormes e frequentemente ignoradas implicações na vida portuguesa. Foi o pretexto para uma colaboração crescente com a rádio e o jornal na análise de temas internacionais, sobretudo depois da invasão russa da Ucrânia. A única condição que coloquei foi que tivesse total liberdade para poder escolher livremente temas e abordagens.
Tudólogo?
No meu percurso académico sempre resisti a um excesso de especialismo disciplinar muito redutor. Nesta coluna pode parecer-me pertinente aludir a algum estudo mais académico, mas não vejo este exercício como de divulgação científica, mas sim de opinião livre e cidadania. Pode não ser a melhor aposta para a “gestão” da minha carreira, mas se for esse o preço a pagar pela liberdade de opinar… É também um bom pretexto para explorar temas que não conheço tão bem.
Há um estilo de comentário que não aprecio em que abundam as certezas sobre os mais variados temas e parece faltar informação básica. Mas recomendava aos críticos mais afoitos dos ditos tudólogos – que implicitamente consideram que as pessoas só devem falar, modestamente, sobre aquilo que sabem e estudam a fundo – que ponderassem os estudos avançados que têm para assumir o papel de “especialistas em especialistas” e se isso não será um excesso de arrogância.
Pela minha parte procuro ser honesto sobre o que considero que sabemos, o que podemos deduzir com alguma probabilidade, e o que merece dúvidas ou não sabemos. É esse o meu treino de base como historiador na análise crítica de fontes sempre variadas e imperfeitas. Por isso considero errado pensar-se que devemos, por exemplo, esperar pelo fim desta guerra na Ucrânia e pelo cessar da propaganda dos beligerantes para começar a fazer uma análise séria. Aliás, é significativo que quem defende esta tesa, por regra, não pratica o que prega. E não só não temos esse luxo, como nunca temos toda a informação nem deixaremos de ter sempre de a analisar de forma crítica.
Perigoso direitista ou infiltrado esquerdista?
Desde que o Rui Ramos me falou do projeto do Observador que me pareceu meritório: criar um jornal com uma forte componente de opinião, muita dela declaradamente de direita, a par de uma redação de qualidade e independente. Este é um modelo que existe em várias democracias pluralistas, à esquerda como à direita. Desde a Espanha com o ABC a par do El País, à Grã-Bretanha com Telegraph ou Times a par do Guardian, até aos EUA com o Wall Street Jornal a par do New York Times. Pareceu-me mais uma forma saudável de sairmos de uma transição pós-autoritária em que ser de direita era tabu.
Apesar disso, para uma certa esquerda nacional escrever no Observador é uma espécie de labéu, e não o ler é ponto de honra. Até há uns intelectuais da nossa praça que exprimem a suspeita terrível de que haja entre os opinadores deste jornal quem tenha um projeto de poder: aparentemente querem ganhar apoio para as suas ideias e até quiçá ganhar eleições e governar para as implementar. É possível que seja verdade, nalguns casos, como também noutros jornais. Não vejo é que isso seja um problema numa democracia pluralista. Outra coisa é que haja disciplina partidária ou ideológica nas colunas de opinião. Se assim fosse certamente não escreveria aqui.
Opto por escrever num registo sobretudo analítico, mas que também reflete, ocasionalmente os meus valores. Tenho é por regra procurar não confundir as minhas preferências e os factos. Identifico-me há muito como liberal de esquerda. E que isso irrite alguns liberais e esquerdistas é só um bónus. Liberal primeiro, porque o que mais prezo são as liberdades. De esquerda porque sempre considerei que apostar numa maior igualdade de oportunidades é indispensável para uma verdadeira liberdade e, até, uma economia mais dinâmica. Também recuso ideias simplistas de que se acaba com a pobreza acabando com os ricos, ou de que Estados ou empresas são sempre e intrinsecamente a melhor opção. O facto de haver quem considere que ninguém de esquerda escreve no Observador é algo que me deixa descansado: sempre fui coerente no meu desalinhamento. Também convivo bem com haver, dizem-me, entre os leitores deste jornal quem me considere um perigoso esquerdista infiltrado que até se atreve a criticar Trump ou Berlusconi. Os editores sabiam no que se metiam ao convidar-me.
Os custos da polarização
Lamento, não por mim, mas pelo Mundo, que pareça haver cada vez mais quem prefira o insulto ignorante ao argumento inteligente e o conforto de dogmas ideológicos e de uma realidade a preto e branco. Temos demasiados problemas sérios para resolver que exigem um debate sério que distinga opiniões e factos. É o caso da crise climática. Apesar do que diz uma certa deputada do Chega, o aquecimento global não é uma tese entre outras. É mesmo um facto verificado por múltiplas fontes. Onde há margem para alguma dúvida e debate é quanto aos seus limites e às melhores opções para travar e atenuar os seus efeitos. Sim, é verdade que em ciência todas as questões estão sempre em aberto a novos dados e argumentos. Mas, por isso mesmo, não podemos adiar a gestão de uma crise ou de um problema à espera de um definitivo consenso científico que nunca vai existir. Também é claro que a transição para energias mais limpas será difícil e custosa. Mas é igualmente certo que apostar na ignorância nunca resolveu qualquer problema.