Apelidada de “gerigonça”, a aliança entre PS, BE e PCP/PEV tornou-se na coligação com maior longevidade da nossa democracia. Esta designação até se tornou conveniente aos próprios: ajudou a reforçar a ideia de que os três partidos coligados seriam tudo e outra coisa qualquer, menos uma coligação governativa, que é do que verdadeiramente se trata.
A gerigonça é uma coligação, porque existe um acordo parlamentar de três partidos, do qual resultam certas orientações que o Governo tem de executar. O sucesso deste acordo viabiliza a existência deste Governo. É uma coligação que viabilizou cinco Orçamentos do Estado e a cada viabilização, os partidos desta coligação reclamaram vitórias negociais. Ao contrário da anterior legislatura, não há acordos escritos, mas há uma prática política que demonstra que não é preciso papel para que esta coligação se mantenha bem real e efectiva.
Existe um evidente obstáculo de compreensão quanto à forma desta coligação, porque os partidos que a compõem negam estar coligados. Principalmente o BE e o PCP procuram um constante antagonismo político, ou seja, esforçam-se por ter um discurso que dê a entender que não viabilizam o Governo. Mas têm viabilizado nestes últimos cinco anos.
É difícil conciliar a ideia de que o PCP e o BE acreditam que, na esmagadora maioria dos dias, o Governo faz um mau trabalho, mas, mesmo assim, merece o voto favorável no Orçamento do Estado.
É claro que o PCP e o BE fazem uma avaliação mais positiva do que negativa dos governos destes últimos cinco anos, caso contrário chumbariam o Orçamento do Estado, o que levaria a novas eleições e a um novo Governo.
É certo que o PCP e o BE encontraram na negação da existência de uma coligação uma fórmula eficaz de se defenderem do degaste que a governação provoca. Por outro lado, quando atacam os partidos de centro-direita, parece que o fazem por convicção e oposição ideológica. Na realidade, muitas das críticas do BE e do PCP dirigidas ao centro-direita servem de defesa ao atual Governo.
Esta estratégia dos três partidos tem resultado num conveniente engodo para que não percam peso eleitoral junto de quem contesta o Governo. Por isso, PCP e BE tentam esconder que estão coligados com o PS.
Ainda que seja moralmente reprovável, esta postura da atual coligação teve uma certa eficácia. Veja-se o exemplo das negociações para o próximo Orçamento do Estado. Diariamente, PCP e BE alimentam dúvidas quanto à sua aprovação.
E mesmo depois de o PS ter afirmado, claramente, que pretende manter esta coligação, caso contrário não existirá Governo, emerge um foco sobre o PSD e uma eventual necessidade de viabilizar o próximo Orçamento do Estado. Não foi mais ninguém que colocou este ónus no Governo, foi o próprio Primeiro-Ministro.
Este cenário foi colocado por comentadores políticos e pelo próprio Presidente da República. O Presidente da República chegou a afirmar ter viabilizado três Orçamentos do Estado enquanto líder da oposição.
Contudo, a atual situação não tem o mesmo contexto, logo não merece a comparação, salvo o devido respeito. Quando o PSD viabilizou três Orçamentos do Estado, no tempo do engenheiro Guterres, o Governo do PS não estava coligado numa maioria parlamentar. Nos últimos cinco anos existiu uma coligação parlamentar e o Primeiro-Ministro deixou claro que está a negociar com os seus parceiros de coligação.
Ainda que o Primeiro-Ministro tenha dito que, caso as negociações falhem, o Governo termina ao mesmo tempo que a coligação se desfaz, o facto é que as negociações ainda não terminaram e todas as coligações têm momentos de tensão.
Recorde-se quando o ex-ministro Paulo Portas anunciou a sua “saída irrevogável” do Governo, que obrigou a uma renegociação da coligação PSD/CDS. Foi um momento de tensão muito superior ao que assistimos hoje, mas nesse momento de crise, que o CDS provocou, não existiu pressão para que o PS viabilizasse qualquer Governo, mesmo em plena troika. Na realidade, essa pressão não existiu, porque a expectativa seria que os partidos da coligação resolvessem as suas diferenças. É o mesmo que o PS, o BE e o PCP estão a fazer, a resolver as suas diferenças. Por essa razão, o PSD não tem de ser mediaticamente pressionado enquanto decorrem conversas dentro de uma coligação de partidos da qual não faz, nem nunca fez, parte.
Portanto, é precipitado pensar no dia a seguir ao “funeral”, quando ainda ninguém “matou” a gerigonça.
O PSD possui uma visão para o país. E o arsenal de propostas lançado pelo partido demonstra opções claras e distantes das posições mais extremas que estão a ser negociadas pela atual coligação.
Uma economia que esquece as empresas exportadoras, que aceita o esmagamento do tecido empresarial com impostos e custos de contexto gigantescos, torna o país incapaz de pagar melhores salários. Não significa que a atual coligação governativa tenha “tiques dantescos” contra as empresas e trabalhadores do setor privado. O problema reside nas opções governativas dos últimos cinco anos, que têm esgotado os recursos do Estado sem muscular as empresas e os trabalhadores que estão fora da esfera do Estado.
Realizar grandes obras públicas sem que exista uma economia que necessite delas e que as consiga pagar, é o equivalente a retirar a hipótese de o país recuperar e tornar-se mais competitivo. O Programa Estratégico e dos Fundos Europeus do PSD define um equilíbrio entre o investimento público e o crescimento económico sustentado nas empresas. A construção do Orçamento do Estado entre PS, BE e PCP afasta-se deste objetivo.
Quando a negociação do BE, PCP e PS terminar, até é possível que a coligação fique mais pequena, porque ela pode sobreviver caso perca o PCP. Mas desde que o BE vote favoravelmente o Orçamento do Estado, existirá uma coligação governativa e o PSD não faz parte desse projeto. Pelo contrário, é a alternativa à coligação existente.