A escola, no sentido mais plural do termo, já teve melhores dias. Se olharmos com atenção, percebemos que a sua reputação se torna facilmente confusa, a sua marca gera muitas inquietações, e até algumas desconfianças e, mesmo como ator social, parece ter perdido poder e impacto. E, no entanto, a escola será eterna. Enquanto houver mundo, haverá escola.
Muita coisa está a ser feita em todas as latitudes para que a escola se torne mais interessante e mais eficaz, mas é urgente perceber quais as estratégias que podem tornar a escola, cada escola, verdadeiramente estimulante e relevante.
A inclusão é, desde logo, um ingrediente essencial. Mas uma escola não se torna inclusiva por decreto e, muito menos, se pode considerar inclusiva por abrir as portas e as salas de aulas a algumas pessoas com deficiência. A escola reflete sempre o modo como a sociedade olha para ela e, por isso mesmo, temos que atualizar o olhar sobre esta grande e complexa instituição.
Em Portugal, a escola precisa de grandes investimentos, muito para além da reabilitação física do parque escolar, que tem sido feita com bons resultados, mas ainda fica aquém de tudo aquilo que é necessário para promover cabalmente o ensino, treinar a aprendizagem e ganhar a aposta da educação e formação humanas.
A escola precisa de um novo ânimo, de ainda mais gente criativa e mentes abertas. Sabemos que muitos professores, educadores, diretores, funcionários e auxiliares que trabalham nas escolas são verdadeiros missionários. Exercem a sua profissão como um sacerdócio e, mesmo sem reconhecimento social, estatuto ou remuneração justa e compatível com o seu empenho, profissionalismo, competência e entrega, são capazes de agir com tal criatividade e foco que mudam o mundo e acrescentam paisagem a muitas crianças e jovens.
A escola, toda e qualquer escola, serve para isto mesmo: para preparar as pessoas para a nova sociedade. Acontece que a sociedade que se anuncia não é nem será como a escola atual acha que vai ser. E é aqui que reside uma enorme entropia, uma espécie de grande pântano onde muitas escolas podem afundar.
A pandemia gerou novas realidades, muitas perdas e grandes oportunidades, mas também trouxe alguma paralisia, coisa que veio agravar ainda mais o estado geral da escola, sobretudo quando o futuro permanece uma nebulosa de dúvidas e incertezas.
Estudiosos, cientistas, decisores e investigadores em todas as áreas de especialidade têm mapeado de forma inteligente e muito completa os grandes riscos da Humanidade e do Planeta. Entre os documentos anualmente produzidos pelo Forum Económico Mundial de Davos, para dar um exemplo mais universal, há sempre o Global Risks Report que enuncia novas tendências, mas também os riscos que estão à espreita.
E é por tudo isto estar cartografado que vale a pena insistir: a sociedade não é como a escola acha que vai ser.
As sociedades tornaram-se altamente imperfeitas e imprevisíveis. E a escola corre o risco de estar a atirar ao lado, sempre que oscila entre adaptar-se a esta crescente imprevisibilidade, ou continuar a preparar os seus alunos para a vida na lógica anterior, quando o mundo estava razoavelmente estabilizado e a escola se focava exclusivamente em dar uma boa preparação científica, técnica e humana.
Bem ou mal, a sociedade já não está nessa lógica. Os rankings e as notas continuam a ser importantes, mas já não são suficientes. Ser bom aluno e estudar nas melhores escolas e universidades ajuda muito, mas não basta. É preciso treinar outras competências, ter outra abertura de espírito, apostar nos dons e nos talentos. É vital ajudar cada aluno, cada criança, cada jovem a reinventar-se, desocultando e valorizando os outros recursos que traz em si. Torna-se cada dia mais imperativo criar condições para que todos sintam que a escola lhes serve para a vida e os prepara para este futuro novo.
Nesta lógica, impõe-se também uma escola nova, com uma narrativa renovada, capaz de acolher uma cada vez maior diversidade de pessoas, métodos, pedagogias, ritmos de aprendizagem, talentos e competências. Já não se trata de falar apenas de inclusão numa perspetiva de abrir ainda mais e acolher ainda melhor as pessoas com deficiência, mas também de expandir os horizontes de cada escola a quem, de alguma forma, se sente diferente.
Vivemos numa era em que se tornou mais fácil acomodar e valorizar pessoas de todos os géneros, raças, crenças, inclinações e gostos, culturas e backgrounds. Temos que aproveitar esta abertura geral e deixar para trás, de uma vez por todas, a atitude “defensista”. É vital recuperar a perspetiva humanista. Não é justo deixar pessoas para trás, é uma quebra brutal de valores e revela falta de caridade.
A palavra caridade também caiu em desuso, porque durante décadas foi sinónimo de caridadezinha assistencialista, geradora de dependências atrozes, mas temos que a recuperar e atualizar, porque é cada vez mais necessária e não podemos deixar que volte a ser confundida com uma atitude menos fecunda.
A escola inclusiva, no sentido mais abrangente que o conceito de inclusão pode ter, pode comparar-se a uma “via verde”, no sentido em que lhe permite avançar a uma velocidade mais constante, sem paragens desnecessárias nem perdas de tempo.
O ano de 2020 está a terminar, as férias de Natal, para os primeiros ciclos, começam daqui a duas semanas, o semestre académico nas universidades está praticamente completo e é fundamental fazer balanços. Importa ver o que já mudou e o que falta mudar para refletir e agir consistente e coerentemente.
Este é o tempo de afinar a missão da escola, em cada escola.
Se calhar deixou mesmo de haver um fio condutor para a escola. Se calhar vai deixar de haver planos nacionais para aplicar indiferenciadamente a toda e qualquer escola. Aquilo que vai fazer a diferença no futuro imediato, e a médio prazo, é a capacidade de cada escola se adaptar e se reinventar, integrando a imprevisibilidade.
Certo, certo, é que há diferenças de impacto entre a escola que se interessa e a escola que não se interessa pela inclusão. E é por tudo isto que amanhã vamos fechar com chave de ouro o ciclo de conversas em direto sobre “a melhor escola do mundo”. Este ciclo, criado em parceria com o Santander, permitiu-nos refletir sobre temas inadiáveis que interpelam alunos e professores, pais e educadores, gestores e legisladores.
Amanhã estaremos uma última vez em direto, aqui no Observador, a partir das 18h30, com a Susana Martins, a Cristina Louro e o Tiago Forjaz, cujo pensamento e ação, ciência e experiência ajudam a perceber melhor porque é que a melhor escola do mundo é inclusiva.