Como acompanhei, com algum interesse, as mais recentes audições na CPI, gostaria de expressar aqui, resumidamente, as minhas impressões, na qualidade de cidadão anónimo, interessado na res publica. Assim, este texto – que vai contra a corrente dominante – pode considerar-se uma sequência do que foi publicado no Observador em 10/05/2023.

A impressão genérica que com que fiquei, após as audições do adjunto, da chefe de gabinete e do ministro, foi de perplexidade e de desolação pelo degradante “espectáculo” a que assisti, fornecido pelos deputados “inquiridores”. Exceptuando a intervenção do deputado do PCP, que procurou, de algum modo, seguir o guião, isto é o objecto do inquérito, todos os outros nossos representantes se centraram, exclusivamente, nos aspectos mais bizarros e “telenovelisticos” e tentaram à outrance desestabilizar os depoentes (do lado do governo), provocar deslizes e incoerências e assinalar, com ênfase, as eventuais contradições. A este propósito, a postura dos deputados do BE, Pedro Filipe Soares, e do Chega, André Ventura, ultrapassou todos os limites, roçando mesmo a insolência e a intimidação, fazendo lembrar interrogatórios de outros tempos de má memória. O deputado do Chega procurou, também, utilizar, aliás sem grande sucesso, alguns dos “truques” exibidos no passado, nas acaloradas discussões “futebolísticas”, no programa televisivo do CM, que o tornou conhecido do público.

Quem, com ingenuidade, perspectivou que os deputados integrantes da CPI procurariam adoptar posturas de alguma isenção, terá ficado completamente decepcionado: o que se observou à saciedade foram comportamentos indecorosamente tendenciosos, que não dignificam as instituições e descredibilizam irremediavelmente as CPI. A responsabilidade pela degradação das instituições e pelo descrédito da política e dos políticos deve ser imputada não apenas ao Governo, mas também à Assembleia da República e ao Presidente.

A falta de objectividade, de neutralidade e de imparcialidade também se patenteou do lado da comunicação social. A generalidade dos mass media e dos comentadores “tomou partido” pelo adjunto, ainda mal eram conhecidas as peripécias ocorridas no Ministério das Infraestruturas, bem antes, portanto, das audiências dos protagonistas. Após a audição do adjunto, aumentou o crédito dado à sua versão dos acontecimentos e o que se passou depois, em termos de contraditório, nas audições da chefe do gabinete e do ministro, foi completamente desvalorizado: o veredicto já tinha sido arquitectado de antemão e tudo o que viesse a perturbar essa laboriosa construção deveria ser afastado. Perante duas versões opostas dos acontecimentos, a comunicação social descredibilizou uma e acreditou incondicionalmente noutra: esta opção não terá sido precipitada? Não teria sido preferível – independentemente do que possa vir a provar-se no futuro – ter adoptado uma posição mais expectante, de dúvida metódica, e aguardar o resultado das diligências em curso, com vista ao apuramento da “verdade”, não a verdade absoluta, inquestionável, que é inacessível, mas a verdade a que seja possível chegar?

A avaliar pelo que referi anteriormente e, também, pelas sucessivas entrevistas concedidas pelo adjunto a diversos órgãos de comunicação social, parece que se está a tentar construir, talvez prematuramente, a imagem de um herói: alguém que, contra ventos e marés (incluindo aqui o grupo de trabalho onde estava inserido) cumpre intransigentemente o seu dever e defende a todo o custo a sua honra. Num país onde abundam os heróis anónimos, mas escasseiam os grandes heróis mediáticos – a figura mais mediática, à escala global, está no ocaso da carreira, em pré-reforma, nas “arábias” – a construção de um herói, à escala doméstica, poderá constituir uma “”estória” sedutora que, pelo menos durante algum tempo, alimentará a atenção do grande público.

Termino estas breves notas com uma referência ao coro político-mediático que exige, insistentemente, a demissão do Ministro das Infraestruturas, como se tal acto, por si só, mudasse alguma coisa de substancial na acção governativa. Se assim fosse, seria como se a demissão do ministro equivalesse a uma espécie de ritual de sacrifício, que exerceria uma função homeostática, catarse colectiva, que libertaria sentimentos reprimidos e provocaria uma sensação de alívio e de pacificação. Quem, porém, como eu, não acreditar na eficácia desta espécie de retorno ao pensamento mágico, preferindo, mais prosaicamente, adoptar uma postura mais realista, concluirá, então, como parece mais verosímil, que o que se pretende, aliás legitimamente, é flagelar e enfraquecer o governo e provocar, eventualmente a sua queda.

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