Durante a presidência de Donald Trump, os europeus foram forçados a “tomar o seu destino nas suas próprias mãos” e a tornar-se mais independentes dos Estados Unidos. Trump convenceu os alemães a abraçar os sonhos franceses de uma Europa autónoma. Contudo, apenas alguns meses depois do início do mandato de Biden, Paris vê Berlim a valsar novamente em direção a Washington.

Em Junho, durante as visitas à Europa de Biden e de Anthony Blinken – o principal europeísta em Washington – a administração avançou nas principais áreas de contenção entre os parceiros transatlânticos – negociando uma trégua na disputa de 17 anos entre a Airbus e a Boeing, abraçando a ideia de um imposto global mínimo sobre as empresas e até adoptando a linguagem dos Europeus acerca da China. A ofensiva de charme da administração Biden centrou-se em Berlim – a capital europeia que Trump adorava odiar – e os seus efeitos são já visíveis. Na retórica, Blinken também não se poupou. Agora, Washington não tem “melhor amigo no mundo” do que a Alemanha.

Para os franceses, a primeira baixa desta investida americana parece ser a “autonomia estratégica europeia”. Nascida do desejo de proteger a Europa da hostilidade de Trump e herdeira da velha política gaullista, o conceito foi sempre fonte de divisão. Contudo, as fissuras nos alicerces da autonomia estratégica são cada vez mais evidentes. A semana passada, o candidato à chancelaria federal da CDU, Armin Laschet, em debate sobre a política externa, vincou que não apoia a autonomia estratégica europeia. Tudo indica que, apesar de estarmos longe de um verdadeiro alinhamento com os EUA em matéria de defesa, nomeadamente na vontade de assumir a responsabilidade pela defesa europeia na NATO, a autonomia estratégica parece ter desaparecido das prioridades dos políticos alemães.

No campo económico, a cooperação transatlântica também avançou. Na nova proposta do ECFR, que na semana passada forneceu um plano para o novo instrumento anti-coerção da UE (a ser anunciado no Outono), praticamente todas as ameaças enunciadas no documento emanam da China. Também o recém-criado Conselho Transatlântico de Comércio e Tecnologia tornou concreta a cooperação em questões como as cadeias de abastecimento, o controlo das exportações e o rastreio dos investimentos. Por fim, durante a reunião do G7, a administração Biden propôs uma iniciativa – a Build Back a Better World (B3W) – que pretende ser uma alternativa à Belt and Road Initiative chinesa. Angela Merkel tem vindo a adoptar a abordagem da B3W, tanto em discursos no parlamento como à federação das indústrias alemãs.

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As visitas de Merkel a Londres, esta semana, e a Washington, na próxima, são também sinais dos efeitos da estratégia americana. Em Londres, e apesar das provocações de Boris Johnson sobre a vitória futebolística contra a equipa alemã, o tom foi amistoso. Merkel também será a primeira líder europeia a ter um encontro na Casa Branca com Biden.

Apesar da clareza dos sinais neste novo início, sabemos que a relutância alemã em avançar decisivamente numa estratégia de alinhamento com Biden é grande. Para cantar vitória, Washington terá que esperar pelos resultados das eleições de setembro. Claro está que nestas se joga não só o futuro da Alemanha, mas também o da sobrevivência da comunidade transatlântica.

Madalena Meyer Resende (no twitter: @ResendeMeyer) é um dos comentadores residentes do Café Europa na Rádio Observador, juntamente com Henrique Burnay, João Diogo Barbosa e Bruno Cardoso Reis. O programa vai para o ar todas as segundas-feiras às 14h00 e às 22h00.

As opiniões aqui expressas apenas vinculam o seu autor.

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