Ao contrário do que se poderia supor, no caso de Portugal e Espanha a proximidade geográfica presta-se menos à mútua compreensão do que às seculares confusões geradas pelas rivalidades nacionais e pelas narrativas históricas. Com efeito, a situação a que Espanha chegou ao termo de eleições que já deviam ter tido lugar há tempos, mas às quais o partido socialista espanhol (PSOE) fugira até agora, não é tão diferente da portuguesa como parece. Com excepção, claro, da pressão cisionista de uma parte significativa, embora provavelmente minoritária, da opinião pública catalã, que não nos deve porém obnubilar, pois esta explosão independentista não é apenas local!

Em Espanha, com um sistema eleitoral baseado no método de Hondt mas bastante menos proporcional do que as regras aplicadas em Portugal, as coisas estão de tal modo distorcidas que um deputado custou ao PSOE apenas 60.000 votos em média enquanto ao Ciudadanos (C’s) custou mais de 72.000 votos e ao Podemos quase 90.000, enquanto o novo partido Vox precisou de 110.000, ou seja, praticamente o dobro do PSOE: de tal modo que o Vox necessitou de mais de 2,6 milhões de votos para eleger 24 deputados enquanto os seus inimigos independentistas precisaram apenas de 1,5 milhões para eleger 22. Em suma, um deputado devia ter custado em média cerca de 85.000 votos mas variou dessa maneira que se está a ver…

As fortes discrepâncias que se verificam em Espanha resultam das escolhas consecutivas ao fim da Ditadura, em benefício dos dois grandes partidos que então se formaram e se apoderaram do espaço público até há pouco tempo; pior do que isso, criaram-se desigualdades crescentes que acabaram por estilhaçar o leque partidário em mais de uma dúzia de partidos com representação parlamentar. Quando o partido mais votado tem menos de 29% dos votos e 123 deputados, e os quatro partidos seguintes têm, juntos, o dobro dos votos mas apenas 189 deputados, a única coisa que uma pessoa séria pode fazer é procurar aquilo que o antigo presidente brasileiro, Fernando Henrique Cardoso, chama o «centro radical».

O que vem a ser isso? Basicamente, seria a cooperação entre todos os partidos que rejeitam as ideologias extremas, sejam de direita ou de esquerda, as quais sempre se multiplicam com este tipo de fragmentação, acabando por reduzir os partidos políticos, não a agentes da governação conjunta, como seria de desejar, mas sim a redutos cada vez mais pequenos de famílias ideológicas que lutam entre si pelos despojos do Estado nacional ou comunitário! Irão então os partidos procurar identificar aquele «centro radical»? Não!

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Em Espanha, como em Portugal e como sucede cada vez mais onde prevalece a fragmentação eleitoral, o «centro» transformou-se numa pretensa «linha vermelha» que nenhum partido quer atravessar com medo de ser acusado de «direitista» ou de «esquerdista». No caso de ontem, já que nenhum partido está perto da maioria parlamentar, o natural seria a aliança dos dois partidos que a própria geografia parlamentar coloca no centro do hemiciclo: o PSOE vencedor precisa de 53 deputados para atingir essa maioria e Ciudadanos – à sua direita no parlamento – tem os suficientes para isso, perfazendo 180. Para cada lado, segundo a geografia eleitoral, ficariam 90 deputados à direita e 80 à esquerda, incluindo populistas, nacionalista e cisionistas. Mas não, repito.

O PSOE diz preferir governar sozinho piscando o olho à esquerda ou à direita, conforme as necessidades, mas na realidade está a preparar-se para se unir à presumível esquerda, exceptuando em princípio os cisionistas catalães. Isso dar-lhe-á os 42 populistas do Podemos e mais alguns deputados até chegar, penosamente, a 175 votos que ainda não fazem uma maioria para passar a legislação e que só por oportunismo é que o Podemos poderá – estou a jogar com as palavras – engolir.

Quando vigoram, simultaneamente, a fragmentação partidária e a ideologia da Esquerda vs Direita está encontrada a receita para a paralisia das políticas económico-financeiras e das políticas públicas, desde o envelhecimento, a saúde e a segurança social até ao atoleiro em que caiu na maioria dos países a escola da pré-primária à pós-graduada. Não é para outra coisa que se preparam, infelizmente, os partidos saídos das eleições de ontem em Espanha. Entre nós, onde as eleições legislativas já estão ao virar da porta, o actual partido central – o PS – prepara-se para imitar o PSOE (ou este imitar aquele) e tentar governar sozinho enquanto dá uma mão à esquerda e outra à direita, conforme já anunciou que irá fazer – nada mais, nada menos – no caso da chamada Lei de Bases da Saúde. O oportunismo eleitoral actualmente dominante faz-me lembrar uma imagem televisiva em que o actual primeiro-ministro português, pouco antes das eleições de 2015, confessava ao jornalista que lhe perguntara se iria aliar-se ao PSD: «Ainda se o líder fosse Rui Rio»…