Na próxima segunda, dia 31 de Janeiro de 2022, os partidos reunir-se-ão para começar as conversações sobre a formação do novo governo. Marcelo Rebelo de Sousa terá um papel determinante nos bastidores neste processo. Será, porventura, o momento definidor da sua presidência, mais até do que a pandemia, até porque, ao contrário daquela, na qual as principais decisões cabiam a António Costa, o Presidente terá de tomar decisões.
É já um lugar-comum, mas não me lembro de eleições tão emocionantes e incertas como estas. Não sei verdadeiramente quem as ganhará e quem formará governo. Há muitas soluções em aberto, nenhuma delas óptima, mas algumas certamente piores do que outras. Antevejo que o processo de formação de governo será mais longo e complexo do que o habitual, por isso dedicarei uma crónica futura a esse tema. Para já, vou deixar algumas notas de navegação sobre a campanha de cada partido, ordenando-os de acordo com o agregador de sondagens da RR.
CDS-PP. Depois de fortes convulsões internas no partido antes das eleições, com a saída de alguns ilustres do partido, e de um péssimo início da época de debates, Francisco Rodrigues dos Santos parece ter encontrado o tom e a mensagem em alguns debates. Todavia, a sua missão é muitíssimo difícil. Por um lado, e em nome da verdade há que repor os factos, herdou um partido saído de péssimo resultado eleitoral. Foi a facção de Cristas, cujos herdeiros se reclamavam salvadores do partido, que conduziu o partido a uma pesada derrota em 2019. Por outro lado, com o aparecimento do Chega e da Iniciativa Liberal, assim como a pressão do voto estratégico no PSD, a função do CDS na competição política em Portugal está em fortes dificuldades. Se conseguir segurar a representação parlamentar com 1-2 deputados será um óptimo resultado e Francisco Rodrigues dos Santos terá bons motivos para festejar.
Livre. O partido fundado por Rui Tavares para ser uma lufada de ar fresco à esquerda, parece ter finalmente encontrado o seu caminho. Depois do desastre de 2019, com uma candidata impreparada e volátil, o Livre está a caminho de eleger um ou dois deputados. Rui Tavares soube aproveitar os debates para mostrar a sua preparação e bagagem intelectual. É certo que sofrerá com as idiossincrasias do sistema eleitoral, como todos os partidos de menor dimensão, de resto, com votos desperdiçados em várias zonas do país. No entanto, creio que terá a força em Lisboa, e, eventualmente, no Porto, para chegar ao parlamento. Esta é a derradeira oportunidade do Livre. Garantindo a eleição, a próxima legislatura será o momento de institucionalização do partido que, a partir daí, pode crescer e tornar-se um parceiro natural de coligações à esquerda.
PAN. O partido de Inês Sousa Real continua a falar para o seu nicho eleitoral, conseguindo até marcar a campanha eleitoral trazendo a questão das touradas para cima de mesa, um tema que, de resto, de acordo com toda a informação que temos, desperta muito pouco interesse na opinião pública Portugesa. Apesar de se posicionar, pelo menos retoricamente, como um parceiro privilegiado do PS, o PAN tem uma agenda económica mais liberal, o que o colocaria, em teoria, mais próximo do PSD ou mesmo da IL. Depois do excelente resultado de 2019, no qual André Silva levou o partido aos 4 deputados, de acordo com as sondagens, o PAN poderá perder metade do grupo parlamentar. Todavia, num parlamento altamente fragmentado, o PAN pode emergir como um dos partidos mais poderosos, na medida em que será o king maker de potenciais coligações à esquerda ou à direita, o que lhe dará mais força para implementar as suas preferências políticas do que o seu número de deputados suporia.
IL. A IL está a beneficiar de uma onda que, em tempos, já ajudou o BE. Quando surgiu, o BE era um partido fresco, apelativo para a juventude, que respondia a alguns dos anseios da época. Hoje o ar do tempo, com um país economicamente estagnado há 20 anos, beneficia claramente a IL. Um jovem de 20 anos é muitíssimo mais sensível a um discurso original e com uma boa campanha marketing que promete melhores salários e uma baixa de impostos no imediato do que a promessas vagas sobre o fim das offshore. Uma análise mais cuidada à IL e à sua mensagem, contudo, mostra fragilidade argumentativa, a roçar a demagogia, numa questão central: o partido nunca explica como vai colocar a economia a crescer. Diz, isso sim, que vai baixar os impostos e aumentar o rendimento líquido, o que, apesar de importante e louvável, não ajuda, a prazo, a colocar a economia a funcionar, a não ser que acreditemos na boa e velha mensagem do trickle down economics. Cotrim de Figueiredo foi muitíssimo eficaz nos debates, com uma mensagem clara e bem direcionada. De todos os partidos novos, incluindo o Chega de que falarei mais abaixo, creio que a IL será aquele partido que crescerá de forma mais sustentada e com maior probabilidade de ter uma influência na vida política portuguesa a prazo.
CDU. Nestas eleições, a CDU é um claro exemplo da Lei de Murphy. Tudo o que poderia correr mal, corre. Será isto verdade? É difícil de dizer. Depois de ter sido o amuleto eleitoral do partido durante quase duas décadas, Jerónimo de Sousa estava notoriamente em baixa forma no início da campanha. Mais tarde viemos a saber os motivos, que levaram, de resto, a uma intervenção cirúrgica. Louve-se a coragem do partido, por colocar à frente de tudo a saúde do seu líder. No combate directo com BE, no qual se decidirá quem pagará a maior factura eleitoral da geringonça, a CDU parece aguentar-se melhor. É praticamente certo que terá fortes perdas eleitorais e de deputados, confirmando, de resto, a tendência dos últimos actos eleitorais. A melhor situação pós-eleitoral para o partido seria, sem dúvida, uma maioria de direita, especialmente se esta estivesse dependente do Chega, dando tempo e espaço para o partido reagrupar, mudar e rodar o novo líder, reactivar a rua enquanto motor auxiliar de acção política. A morte da CDU tem sido largamente exagerada. Contudo, a próxima legislatura será mesmo fundamental para a história do partido.
BE. Creio que Catarina Martins e a liderança do BE ainda não perceberam como chegámos até aqui. Há três meses atrás, a possibilidade bem real da Direita regressar ao poder seria algo do domínio da ficção. O BE prepara-s. para ter a derrota mais pesada da sua história, bem pior do que 2011, na medida em que, ao contrário do momento em que se recusaram a encontrar com a troika, desta vez o nexo de causalidade entre a geringonça e a ausência de diálogo à esquerda e as perdas eleitorais será bem visível. Em minha opinião, o BE rejeitou o orçamento supondo que uma campanha reequilibraria as forças à esquerda e, acima de tudo, obrigaria Costa a voltar à mesa das negociações. No entanto, aconteceram duas coisas. Por um lado, a direita tem agora uma hipótese real de voltar ao poder. Por outro lado, António Costa entrou na campanha a matar, afirmando que jamais voltaria a 2015 e ao tempo em que a esquerda era tão feliz e não sabia. Entretanto, as sondagens com alertas para a potencial perda de poder, já levaram Costa a admitir dialogar com todos, inclusive com a ex-geringonça, o que pode mitigar a derrota do BE. As contas da derrota do BE no próximo Domingo apenas poderão ser feitas em função do seu peso relativo à esquerda. Ao contrário da CDU, o regresso da Direita ao poder seria péssimo para o BE na medida em que seria fortemente responsabilizado pelo eleitorado.
Chega. O one-man show de André Ventura prossegue. A campanha eleitoral tem corrido na generalidade bem ao Chega. Nos debates levou todos os líderes ao tapete, à excepção de Rui Tavares e de Cotrim Figueiredo. O estilo truculento, boçal e, em muitos momentos, de profundo mau gosto não agrada a quem vive na bolha. No entanto, não devemos confundir as nossas preferências com as do eleitor médio do Chega. Tal como restantes casos de líderes populistas noutros pontos geográficos, há um mercado eleitoral disponível para ouvir berros, insinuações e ataques vis à honra de pessoas e de grupos étnicos. Confesso que estou muito curioso para saber quanto vale Ventura eleitoralmente em eleições legislativas. É perfeitamente possível que tenhamos uma surpresa, com um grande resultado do Chega numa expressão típica da espiral do silêncio, na qual muitos eleitores recusam a reconhecer às sondagens o seu ensejo de votar num partido que é socialmente visto como um pária. Creio, no entanto, que um grande resultado do Chega pode ser um presente envenenado para Ventura. Por um lado, corre o risco de ter um grupo parlamentar pouco coeso e com polémicas frequentes. Não é impossível que ocorram situações como aquelas que marcaram a primeira presença do Livre no parlamento ou, mais recente, do PAN. Ao mesmo tempo, daquilo que vi, o grupo parlamentar demonstrará, creio, uma forte heterogeneidade em termos de preferências e de qualidade. Haverá elementos que porão à vista uma posição ideológica mais extrema que poderá afastar eleitores num próximo ciclo eleitoral. Por outro lado, uma grande vitória poderá exigir do Chega decisões difíceis sobre o que fazer com a vitória. Apoiar o PSD, mesmo que tacitamente, ou ser um partido de protesto? Ventura parece querer apoiar a direita a formar maioria, mesmo que seja renegado por um Rui Rio moderado. No entanto, a prazo, seria mais útil para o partido consolidar o grupo parlamentar e a sua dinâmica eleitoral enquanto partido de protesto. Será difícil manter a retórica nós-eles contra o sistema quando, ao fim de duas eleições, o partido tem a tentação de entrar para o sistema e, segundo Ventura, para o governo. Qual seria a sua mensagem no próximo acto eleitoral?
PSD. Gostava genuinamente de saber se o próprio Rio acreditava há uns meses que, a uns dias do final da campanha, estaria a disputar taco a taco a vitória com António Costa. Rio tinha uma mensagem fácil para passar: os Portugueses estão pessimistas sobre o futuro do país, como, de resto, demonstrou uma sondagem recente do ICS/ISCTE. Donde, será que acham que o incumbente, que está como Primeiro-Ministro há seis anos, pode dar algo diferente com as mesmas políticas? Rio conseguiu passar essa mensagem simples e forte de forma eficaz, utilizando alguns truques de campanha clássicos para se humanizar e piscar o olho ao eleitorado centrista. No entanto, Rio pode perder as eleições aconteça o que acontecer. Se perder, verá a sua liderança ameaçada rapidamente por aqueles que estão agora a seu lado. Se ganhar, com um governo minoritário e frágil, pode estar entalado entre o PS, cuja postura dependerá em grande parte do líder que assumir o partido, e o Chega. Um governo minoritário dependente do Chega será difícil de gerir para Rio. A sua única hipótese será ter uns primeiros meses fortíssimos e, ao fim de algum tempo, dramatizar, ir a eleições novamente e conseguir fazer maioria com a IL e o CDS ou mesmo sozinho, à Cavaco 1987. De qualquer forma, depois de uma eventual vitória no Domingo, Rio terá meses muito difíceis pela frente.
PS. Como deitar tudo a perder em três ou quatro meses? É certo que está tudo em aberto e António Costa poderá perfeitamente continuar a ser primeiro-ministro, mas a simples possibilidade de derrota deveria fazê-lo reflectir sobre os erros que cometeu. Nunca saberemos a verdade sobre quem decidiu que o orçamento chumbasse. Mesmo que vença, António Costa será um primeiro-ministro mais fragilizado e com menos força política e um líder necessariamente a prazo. Claro que é ainda possível que Costa dê o dito por não dito. Na campanha eleitoral foi do pedido de maioria absoluta e da recusa em não falar com ninguém, até à possibilidade de falar com todos excepto o Chega. Está última é, de resto, bastante interessante e demonstra aquilo que poderíamos chamar flexibilidade táctica de Costa ou outros, mais cínicos, podem chamar de total ausência de convicções. Se aceita falar com todos menos o Chega, será que falará com a IL e o BE sobre a TAP? Ou falará com o PCP e o BE sobre a eutanásia? O mais importante para Costa é garantir que não perde as eleições, até porque o lugar Europeu está a meros meses de distância e fará a ponte perfeita até Belém em 2026. Ao contrário daquilo que Costa afirmou ao Observador, o acordo feito sobre a distribuição de pastas em Bruxelas não dizia respeito ao Conselho Europeu e à Comissão Europeia, mas sim ao Conselho e ao Parlamento Europeu. Havendo agora uma liderança Conservadora inesperada no Parlamento Europeu e na Comissão, alguém acredita que os Socialistas fiquem apenas com Borrell? O próximo Domingo é crucial para muito gente, mas Costa talvez aquele que tem mais a perder e não falo apenas do lugar de primeiro-ministro.