Durante muitos anos, Portugal foi apontado em muitos países Europeus como uma excepção à onda de aparecimento de partidos de direita radical. Desde 30 de Janeiro que deixámos de ser uma excepção, com a consolidação do Chega enquanto terceiro maior partido Português. De resto, não creio que a excepção alguma vez tenha existido, simplesmente é reveladora do nosso canónico atraso. Tudo o que acontece na Europa acaba por chegar a Portugal com alguns anos de atraso.

Neste caso, no entanto, o atraso é-nos bastante útil. Todas as democracias Europeias se viram confrontadas com dilemas e com os seus piores fantasmas com o aparecimento em força da direita radical, especialmente aquelas cujos legados históricos contém passados com ditaduras de direita. Fundamentalmente, como Meguid mostrou num artigo clássico, há um dilema que o sistema partidário tem de responder: será mais útil para a democracia e para o bem-estar dos cidadãos ignorar a direita radical e os temas políticos que esta traz ou, pelo contrário, ter uma estratégia de acomodativa (em que os partidos mainstream tentam tomar conta dos temas levantados por esta nova direita) ou ainda uma estratégia adversarial?

Ao longo das últimas duas décadas, houve uma explosão na investigação académica sobre as causas e as consequências da direita radical. As conclusões são, por um lado, contraditórias e, por outro lado, mostram que os efeitos da direita radical são contingentes às acções dos actores políticos.

Num artigo sobre os efeitos da direita radical na alteração da estrutura de competição sobre imigração, Abou-Chadi e Krause mostram que o aparecimento de uma direita radical com posições duras contra a imigração leva os restantes partidos mainstream a adoptarem uma estratégia acomodativa. Isto é, os partidos mudam as suas posições para irem de encontro às preferências da direita radical na esperança de, com isso, conseguirem minimizar as perdas eleitorais. Note-se, contudo, que o este trabalho mostra claramente que não são apenas os partidos de centro-direita que alteram as suas posições quanto à imigração. Pelo contrário, Abou-Chadi e Krause mostram que o efeito é também sentido no centro-esquerda, numa espécie de efeito dominó de arrastamento da competição partidária para a direita.

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Recentemente, com o aumento da participação da direita radical em coligações de governo, tem crescido o número de trabalhos académicos sobre o impacto destes partidos nas políticas sociais dos governos. Chueri mostra que, apesar da maior parte dos partidos de direita radical nascer com preferências neo-liberais, à medida que se vão institucionalizando tendem a criar preferências em favor do estado social e de políticas redistributivas. A evidência desta autora mostra, contudo, que, quando chegam ao governo, os partidos de direita radical conseguem influenciar as coligações a fazer políticas redistributivas mais regressivas para grupos sociais que a direita radical considerar não-merecedores. No fundo, utilizando a terminologia de Ventura, no momento de desenhar políticas sociais, a direita radical privilegia os cidadãos “de bem” em detrimento de grupos sociais discriminados.

No entanto, os efeitos da direita radical sobre as políticas sociais não são assim tão simples nem unidireccionais. Num artigo seminal, Roth, Afonso e Spies analisam as consequências da presença da direita radical em coligações de governo sobre as políticas redistributivas e regulatórias em sete democracias europeias (Áustria, Dinamarca, Itália, Holanda, Noruega, Suécia e Suíça). Os resultados são surpreendentes. Os autores mostram que, devido à heterogeneidade dos seus votantes, a direita radical não se pode dar ao luxo de desmantelar o estado social, sob pena de ser fortemente penalizada nas urnas. Para além disso, os autores mostram que, quando pertencem a governos com outros partidos de direita, estes partidos moderam os ímpetos mais liberais dos partidos de centro-direita e liberais. Isto é, comparando governos apenas de centro-direita com governos nos quais a direita radical está representada, a conclusão é que estes últimos tendem a manter o nível de regulação dos mercados e a aumentar o nível de prestações sociais.

Por último, um artigo de Harteveld e colegas sobre a satisfação com a democracia e a direita radicalmostra que o aumento da votação da última conduz a uma maior satisfação da democracia. O argumento é simples e intuitivo: apesar de provocar maior insatisfação com a democracia nos cidadãos que se opõem à direita radical, o efeito líquido trazido pelo aumento da satisfação com a democracia dos cidadãos que se identificam com esta torna a democracia globalmente mais inclusiva. Obviamente que, a longo prazo, os autores identificam correctamente a corrosão das normas e valores sociais com uma consequência fortemente nefasta da direita radical o que poderá levar a perdas líquidas na satisfação com a democracia.

O forte interesse académico sobre as consequências da direita radical na Europa permite-nos, de alguma forma, antever o que poderá acontecer à democracia Portuguesa. O Chega traz desafios novos à democracia e consequências que, em minha opinião, são nefastas. No entanto, fazer do Chega a maior clivagem política existente em Portugal apenas criará uma maior saliência do partido e, acima de tudo, reafirmará a sua natureza anti-sistema. Neste momento de tantos desafios para Portugal a mensagem tem de ser clara: a democracia não acabou nos países onde a direita radical apareceu. Não acabará em Portugal. É preciso saber lidar com este desafio de forma inteligente e não fazer de Ventura o alfa e ómega da política nacional. Foquemo-nos, antes, nos desafios sérios que Portugal tem e deixemos Ventura a gesticular e a gritar sozinho.