Na semana passada, fomos mais uma vez surpreendidos com a surpresa do Governo pelos resultados alcançados na redução do défice orçamental em 2022. O Governo previu no Orçamento do Estado para 2022, aprovado já a meio do ano, em junho, um défice orçamental de 1,9% do PIB. Após a divulgação do relatório da execução orçamental pela Direção Geral do Orçamento, em janeiro, onde se destacava um enorme aumento das receitas fiscais devido ao forte crescimento económico e à inflação, o ministro das Finanças informou o país que o défice orçamental deveria ficar abaixo de 1,5% do PIB. Na semana passada, na Assembleia da República, o primeiro-ministro António Costa avisou que o governo foi surpreendido pela decisão do INE de contabilizar despesas de 2022 no saldo orçamental de 2023, o que colocaria o défice num valor ainda mais baixo do que o esperado. Na passada sexta-feira, o INE divulgou que o défice orçamental ficou em 0,4% do PIB, muito, muito abaixo dos 1,9% previstos no OE para 2022.

Num dos países mais endividados da União Europeia, e que durante o regime democrático já teve de recorrer por três vezes a pedidos de assistência financeira externa, devemos saudar o bom resultado orçamental alcançado. Num contexto de grande incerteza e de pressão para a subida das taxas de juro, a elevada dívida pública constitui um elevado risco para os portugueses. A meu ver continua a ser o maior risco. Embora a reação de surpresa do governo sugira que foi alcançado inadvertidamente, a correção do défice é uma medida acertada e segue os bons princípios dos manuais de finanças públicas. Mesmo que seja sem querer, o Governo está a aproveitar os anos de elevado crescimento económico e de inflação para consolidar as finanças públicas, reduzindo drasticamente a dívida pública de um valor máximo de 134,9% em 2020 para 113,9% do PIB em 2022. Reduzir o défice orçamental, neste contexto, não devia embaraçar o Governo. Privilegiar a redução da dívida pública, quando esta é uma das mais elevadas da UE não põe em causa as credenciais de esquerda do Governo. Uma gestão das finanças públicas que tem em conta o bem-estar das gerações futuras deveria ser um princípio de qualquer governo. De esquerda ou de direita.

Um dos maiores falhanços institucionais dos governos de Portugal é visível no aumento da dívida pública após a entrada no euro em 1999, refletindo o descontrolo da despesa pública. A incapacidade dos nossos governantes perceberem as implicações do novo regime macroeconómico para a gestão da política orçamental é uma das causas das várias e severas crises que afetaram a economia portuguesa no século XXI. A política orçamental esteve durante grande parte do século XXI em contraciclo, com os governos obrigados a cortar despesa pública e a aumentar impostos quando a economia estava em recessão. Assim, o facto de o Governo reduzir o défice num período de crescimento corresponde a uma normalização do quadro da política económica. Também por esta razão o Governo devia assumir, sem disfarces, a importância do resultado alcançado.

Mas posso estar a ser injusto ao considerar que o governo se envergonha ou se faz surpreendido com os bons resultados alcançados na execução orçamental. O resultado alcançado na redução do défice orçamental pode ter sido mesmo sem querer. Isto é, o Governo não terá mesmo sido capaz de prever a evolução da receita e foi mesmo surpreendido pelos bons resultados. Poderíamos dizer, nesse caso, que foi um mal que veio por bem. Mas não. A incapacidade de um Governo prever a execução orçamental anual de forma rigorosa causa muitos prejuízos ao país. Basicamente, limita toda a capacidade de planeamento e de gestão dos organismos do Estado. Um Ministério das Finanças que não consegue prever é um ministério ineficiente a executar e que limita a execução dos outros ministérios e entidades públicas, impedindo-os de cumprirem os seus programas. Uma parte das dificuldades de muitos serviços públicos, com forte impacto social e económico, é explicada pelas restrições desnecessárias impostas pelas Finanças. Estas restrições são hoje uma das principais causas da ineficiência dos serviços públicos, pelo tempo que estes perdem a aguardar autorizações das finanças, que muitas vezes chegam fora do tempo.

E se o Governo não consegue fazer uma previsão da execução orçamental para um ano como é que pode planear a execução do seu programa para a legislatura?

Outra implicação do quadro da política macroeconómica no contexto da Zona Euro é a necessidade de garantir a competitividade internacional da economia portuguesa, através da contínua melhoria da eficiência em múltiplas dimensões. Estas melhorias de eficiência implicam a implementação de reformas setoriais, em que os diferentes ministérios são centrais, da educação, ao ensino superior e ciência, passando pelo trabalho, infraestruturas e economia. Ora, a forma muito imperfeita como é monitorizada e realizada a execução orçamental, com o governo a ser sistematicamente surpreendido pelos resultados da execução orçamental, impede qualquer planeamento e gestão orçamental de médio prazo. A forma como é gerida a política orçamental impossibilita a execução de qualquer programa pensado para uma legislatura. O facto de isso não incomodar governo e os seus ministros é apenas mais um sinal de que não existe de facto um verdadeiro programa para a legislatura. O governo vai gerindo à vista as receitas e despesas. Valha-nos, apesar de tudo, que valorizem as contas certas.

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