Num filme conhecido alguém espreita da janela das traseiras por um binóculo e vê um vizinho a fazer qualquer coisa do outro lado do saguão. Até essa altura tinha reiteradamente duvidado de uma teoria do namorado segundo a qual o vizinho teria morto a mulher, e colocado o corpo numa mala. Agora mudou de ideias. Baixa o binóculo devagar e diz para o namorado: ‘Diz-me tudo o que viste; e diz-me o que achas que quer dizer.’ A sua frase exprime uma teoria em que normalmente não pensamos: a teoria segundo a qual ver alguém a fazer uma coisa e saber o que isso significa são actividades diferentes.
Imaginamos pelo contrário que quando vemos alguém a fazer uma coisa aquilo que vemos é o significado daquilo que vemos. Uma acção, supomos, tem um significado que é imediatamente observável, com uma nitidez comparável à de um objecto que vemos em circunstâncias favoráveis. Não precisa de interpretação.
Porque será então que tantas vezes estamos em desacordo quanto ao significado de acções? Não me refiro às acções muito complicadas que envolvem muitas pessoas; ou às acções que não presenciámos. Nesses casos aceitamos com prontidão suspeita que o que se passou está aberto a muitas interpretações. No entanto mesmo os casos autobiográficos mais comezinhos ilustram a teoria da namorada, e levam a acreditar que só podemos saber o significado daquilo que aconteceu depois de ter acontecido; e só na melhor das hipóteses.
Ao almoçar num restaurante observamos um cavalheiro a comer filetes. Dizemos: ‘está a comer filetes.’ Estará? A pergunta parece disparatada; mas apenas porque a descrição mais comum, a de que aquela pessoa está a comer filetes, se revela verdadeira na maior parte dos casos. Existe contudo, como observou alguém, um sem número de outras descrições daquilo a que chamámos atrás ‘está a comer filetes’: ‘está a almoçar’; ‘está a fazer trabalho de campo para uma crónica gastronómica’; ‘está a imitar alguém a comer filetes’; ‘pensa que está a comer pataniscas’; ‘está a comunicar em código com um agente secreto’. Os movimentos que observo no restaurante são todos compatíveis com qualquer destas explicações. Quais delas são verdadeiras? Só a seu tempo se saberá.
Ao jornalismo aborrece a teoria da namorada. Percebe-se porquê: quem o exerce preocupa-se com o significado das acções, por exemplo dos agentes políticos e desportivos, ou das classes criminosas; mas não dispõe de tempo para perceber essas acções. Muitos dos embaraços da profissão não se devem ao facto sem remédio de todos nós nos enganarmos sobre o significado de coisas que estão a acontecer. Devem-se antes à condição particular de ser costume entre os jornalistas imaginar que as acções humanas têm um significado que é imediatamente evidente para quem a elas assista, sobretudo se for jornalista. Os jornalistas não mudam de ideias porque acham que lhes basta ver as coisas.