Parecia um número de palhaços num circo decadente: Eduardo Cabrita, ministro que tutela o SEF, lamentava que alguns só agora se tenham juntado à Defesa dos Direitos Humanos. Em seguida, Santos Silva cumprimenta Cabrita pela “clareza” na reacção à morte de Ihor Homenyuk e António Costa garante que o ministro Eduardo Cabrita “Fez o que lhe competia”. Marcelo que desta vez não telefonou a ninguém explicava que “Importa verificar se há ou não há um pecado mortal do sistema. Se há, então este SEF não serve e tem de se avançar para uma realidade completamente diferente.”…

De repente extinguir o SEF apresenta-se como uma ideia excelente mesmo que se desconheça a tal “realidade completamente diferente” de que fala o PR. E o Governo descobriu que no seu programa de 2019 constava alterar o SEF.

Extinguir o SEF é a melhor forma de travar a discussão sobre o que aconteceu a este serviço. Um serviço em que nos últimos anos os directores não fazem mais que dois anos no cargo. Um serviço que no século XXI se consolidou como uma daquelas estruturas em que o poder era naturalmente socialista. Apenas circunstâncias inesperadas levavam um governo não PS a nomear um responsável pelo SEF: em Outubro de 2003, o governo de Durão Barroso nomeou o juiz desembargador Gabriel Catarino para director do SEF porque Júlio Pereira, até então director do SEF, se tornou secretário-geral do Sistema de Informações da República (SIRP). Mas em Abril de 2005, estava o primeiro governo Sócrates a a acomodar-se ao poder e já Gabriel Catarino era afastado da direcção do SEF pelo novo ministro da Administração Interna, António Costa. Jarmela Palos foi o escolhido por António Costa para substituir Gabriel Catarino. Jarmela Palos fica à frente do SEF durante os governos de Sócrates. Passos Coelho só o substitui em 2015 quando Jarmela Palos foi preso e constituído arguido no âmbito do caso dos Vistos Gold (viria a ser absolvido num julgamento que terminou em 2018).

António Beça Pereira, o substituto de Jarmela Palos à frente do SEF, tomou posse a 9 de Janeiro de 2015 mas a 5 de Janeiro de 2016 já estava de regresso ao Tribunal da Relação de Guimarães, onde era juiz desembargador. Constança Urbano de Sousa, ministra da Administração Interna do recém-nomeado governo de António Costa, quer colocar à frente do SEF alguém com um perfil mais apropriado. A escolhida é Luísa Maia Gonçalves. “Uma mulher da casa” escreviam enlevados os jornais que em tudo entreviam então sinais do progressismo governamental. Mas a “mulher da casa” —  Luísa Maia Gonçalves era inspectora  do SEF —  não chegou a estar dois anos no cargo. Em Outubro de 2017, tornou-se num alvo a abater porque chamou a atenção para as consequências às alterações à Lei de Emigração impostas pelo BE. Mais uma vez a ministra Constança Urbano de Sousa despedia um responsável pelo SEF. Para  substituir Luísa Maia Gonçalves veio Carlos Moreira, também ele um homem do SEF, a trabalhar junto da UE. Um ano e dois meses depois, a 16 de Janeiro de 2019, Carlos Moreira alega cansaço e deixa a direcção do SEF. É então substituído por Cristina Gatões.

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Portanto, sem contarmos com o agora nomeado José Luís do Rosário Barão, entre 2015 e 2020, o SEF teve quatro directores: António Beça Pereira, Luísa Maia Gonçalves, Carlos Moreira e Cristina Gatões. Que isso não tenha causada sobressalto é bem revelador da anomia que impera em Portugal. O anúncio de que o Governo pondera acabar com o SEF não pode passar entre o silêncio de uns e a cumplicidade de outros, tal como passou a mudança dos seus directores.

A quem interessa a extinção do SEF? Ou perguntando doutro modo: vamos acabar com uma polícia ou um serviço de cada vez que houver um escândalo? Um crime?…

Repito: a quem interessa a extinção do SEF agora anunciada? Em primeiro lugar interessa a quem, como o Governo e o PR, vivem dependentes de uma política de anúncios, como se os anúncios construíssem a realidade. Anunciaram a descrispação, o fim da austeridade, o milagre português… agora é a vez do anúncio do fim do SEF. Ora o futuro do SEF ou da força policial que lhe herdar as funções tem de ser equacionado na perspectiva dos interesses do país — manter as fronteiras seguras, funcionamento dentro da lei, combater as mafias da imigração, processamento em tempo útil e de forma inteligente da documentação dos imigrantes — e não sob a perspectiva dos responsáveis políticos de se livrarem rapidamente de um caso embaraçoso e em que eles, responsáveis cada vez mais irresponsáveis, estiveram manifestamente mal.

Note-se que nenhum governo está livre de ver os seus agentes a praticarem um crime como o acontecido no aeroporto de Lisboa a 12 de Março de 2020 mas obviamente nenhum governo civilizado e responsável trataria um caso desta natureza com tal falta de sentido de Estado e ausência de sensibilidade: de Marcelo Rebelo de Sousa a António Costa, de Eduardo Cabrita à ex-directora do SEF, ficaram todos a ver como é que podiam não ser afectados pelas ondas de choque que a morte de Homeniuk pudesse vir a gerar.

O silêncio dos responsáveis tornava-se insuportável:Nenhuma manifestação no aeroporto, nenhuma homenagem, nenhum memorial, nenhum voto (que eu saiba) no Parlamento, nenhuma palavra do Presidente da República, nenhuma palavra do primeiro-ministro. Que tristeza. E das organizações de direitos humanos? Onde estão as ONG’s, a Amnistia Internacional e o SOS Racismo? Que fizeram os Médicos do Mundo, que têm intervenção no aeroporto de Lisboa? E a Ordem dos Médicos? Será verdade que um médico assinou uma declaração em que consta «morte natural»? —  perguntava a 4 de Junho, Zita Seabra num artigo publicado  no Observador. Sim, o Portugal refém das aparências, dos anúncios, dos cenários é aquele país que, em meados de 2020, do parlamento às redes sociais condenava a morte de George Floyd nos EUA mas aceitava com fatalidade silenciosa o acontecido a Ihor Homeniuk em Lisboa.

Não sei se a extinção do SEF é a melhor solução para o país mas tenho a certeza que é a solução que melhor serve os (ir)responsáveis políticos.

PS. Mais uma vez surge o anúncio de que estão a ser feitos estudos com vista ao lançamento de uma “marca ibérica”. A “marca ibérica” é uma excelente aposta para Espanha e um péssimo negócio para Portugal. Em plena crise dos separatismos, a “marca ibérica” permite a Espanha diluir as suas tensões internas. Já Portugal fica ao nível das várias regiões da Ibéria. Uma espécie de Catalunha.