Há inúmeros países europeus a aliviar restrições referentes à contenção da pandemia da Covid-19. Em França, o uso de máscara deixou de ser obrigatório em espaços exteriores, assim como deixou de se verificar a temperatura à entrada de espaços para assistência sentada. A partir de 16 de Fevereiro, as discotecas e os concertos em pé voltarão a ser permitidos. No Reino Unido, as restrições estão a ser levantadas em bloco — nas ruas, nas escolas, nos serviços públicos. No País de Gales, o nível de alerta passou a zero: foram suspensas as orientações para o distanciamento social e tudo foi reaberto, incluindo as discotecas. Na Dinamarca, a palavra de ordem é que se regresse à normalidade, sem qualquer restrição — é o primeiro país europeu a decretar aquilo que pode ser interpretado como um fim da pandemia, apesar de estar actualmente a bater recordes em número de infecções. Há mais países a seguir o exemplo: Noruega, Países Baixos, Irlanda, Finlândia.
O racional por detrás destas decisões apoia-se em factores conhecidos e amplamente discutidos. Primeiro, a vacinação: as populações aderiram massivamente à vacinação e estão protegidas. Segundo, a variante dominante do vírus a circular é muito menos perigosa para a saúde pública, apesar de mais transmissível. Terceiro, os indicadores revelam uma pressão normal sobre os serviços de saúde, muito longe de situações de ruptura. Nada disto é novidade mas, no seu conjunto, significa que a Covid-19 deixou de ser uma ameaça crítica — e se as circunstâncias da pandemia mudaram, também deve mudar a forma como lidamos com a Covid-19.
Portugal tem condições particularmente favoráveis para ser um dos países a liderar o aliviar das restrições e adoptar um novo olhar sobre a pandemia. A população vacinada com (pelo menos) duas doses da vacina atinge os 90% — significativamente superior à taxa de cobertura vacinal dos países acima referidos (76% em França, 71% no Reino Unido, 81% na Dinamarca). Os indicadores de excesso de mortalidade estão actualmente mais baixos em Portugal do que na Dinamarca, França ou Reino Unido. O número médio de infecções diárias na Dinamarca é muitíssimo superior ao de Portugal. O número de internados em cuidados intensivos em Portugal, por milhão de habitantes, é hoje perfeitamente razoável para padrões internacionais e quase seis vezes inferior ao pico do passado Inverno — e, em França, os internamentos são (quase) quatro vezes mais elevados. Traduzindo: a população portuguesa está tanto ou mais protegida do que a dos três países mencionados. E, no entanto, são esses outros países que estão a eliminar restrições — e não Portugal.
Há razões sociais, políticas e culturais que explicam este desfasamento português — a começar por uma sociedade civil dormente, ao contrário da britânica ou da francesa. Mas, a meu ver, o ponto-chave está na instituição de uma rotina de medo, para a qual contribuíram as autoridades políticas (porque o medo contribui para o cumprimento das regras) e, involuntariamente, a comunicação social. Desde 2020, três quartos da cobertura noticiosa é relativa à pandemia. Compare-se um telejornal português com as emissões noticiosas em França, Inglaterra ou Dinamarca para observar a diferença abissal: todos estes países estão longe de atribuir um destaque tão predominante à pandemia, como se faz em Portugal.
Há que ultrapassar o medo e começar a tratar a Covid-19 como qualquer outra doença. E isso implica, para além de eliminar progressivamente as restrições, acabar com os boletins diários com indicadores da Covid-19 e mudar o foco das autoridades públicas de saúde. Já não estamos em emergência sanitária. O Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC) já fez a recomendação: a monitorização da Covid-19 tem de se alterar e passar a ser feita como a da gripe. Espanha até já iniciou esse processo. E nós estamos à espera do quê?