“Há comportamentos e lógicas de funcionamento das comissões de inquérito que são elas próprias degradantes da função política (…), em que os deputados são uma espécie de procuradores do cinema americano de série B dos anos 80 (…)”.

Pedro Adão e Silva, Jornal de Notícias/TSF, 9 de julho de 2023

1 Estava a ver que Pedro Adão e Silva nunca mais se mostrava — e ficava escondido entre as entrevistas nas salas majestáticas do Palácio Nacional da Ajuda escolhidas a dedo para reforçar a sua gravitas e as reuniões do núcleo duro do Governo onde certamente a sua inteligência acutilante sobressairá.

Confesso que já tinha saudades daquela arrogância natural dos predestinados da esquerda portuguesa — de que Pedro Adão e Silva é um dos melhores e mais refinados exemplos da minha geração.

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Acompanhei de perto os seus primeiros passos na política como jovem secretário nacional do PS no início da década de 2000 e por isso não estranho o tom de alegada superioridade intelectual que usou para censurar os deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da TAP e para, na prática, comparar os comentadores políticos aos concorrentes do “Big Brother”.

Tirando o desconto de provavelmente estar a comparar um dos seus amigos comentadores (provavelmente o taxista do costume que fez logo questão de concordar com o sr. ministro) com o concorrente Telmo, afirmar que os deputados da CPI da TAP são “procuradores do cinema americano de série B” é o mesmo que dizer que o Governo de António Costa é equivalente a um dos filmes de culto de série Z (ou trash, para não haver confusões com a operação especial de Putin): “O Ataque dos Tomates Assassinos”. Um pouco exagerado, não?

2A intenção de Pedro Adão e Silva de criar uma nova polémica para desviar a atenção do relatório benzina sobre as conclusões da CPI da TAP apresentado pela extraordinária relatora Ana Paula Bernardo e da demissão de Marco Capitão Ferreira — a 13.ª demissão do Governo de António Costa em ano e meio — está ao nível da indigência intelectual dos filmes trash.

Indigência porque o impacto do relatório benzina de Ana Paula Bernardo foi muito significativo junto da opinião pública. Os portugueses acompanharam a par e passo os trabalhos da CPI e sabem que o relatório que o PS vai aprovar na CPI é uma farsa e descreve uma verdadeira realidade virtual. Isso, sim, é um ato “degradante da vida política”.

Indigente como um filme de série Z é a desvalorização do combate à corrupção que o Governo do PS tem feito. Bem sei que este é um tema de segundo ou terceiro plano para Adão e Silva (que é daqueles progressistas que considera que o combate à corrupção não é relevante e só favorece os partidos de extrema-direita) mas foi particularmente chocante ouvir a desvalorização convicta que António Costa fez da demissão de Marco Capitão Ferreira por ter sido constituído arguido por corrupção.

É verdade que isto é algo que devemos encarar como normal quando o Governo ainda nem sequer disponibilizou condições mínimas para a instalação da Entidade da Transparência (sem luz, água e internet), de forma a que as declarações de rendimentos dos políticos sejam escrutinadas.

Ou nem sequer tenham promovido uma plataforma eletrónica para que o Mecanismo Nacional Anticorrupção possa desempenhar o seu papel de fiscalizador do Regime Preventivo de Corrupção junto das cerca de 8000 empresas que estão sujeitas às novas regras.

Isso, sim, é que promove a degradação da vida pública.

3 Indigente como um filme de série Z é desconsiderar o escrutínio parlamentar e jornalístico, como se este promovesse uma realidade tão virtual como os tomates assassinos que resolveram invadir o planeta Terra.

Se não fosse o escrutínio jornalístico será que se ficaria a saber que Alexandra Reis tinha recebido uma indemnização de cerca de 500 mil euros? Ou saberíamos como o SIS foi chamado pelo Governo à casa de Frederico Pinheiro, promovendo atos de coação sobre o ex-adjunto de João Galamba?

Ou saberíamos as inúmeras contradições que houve entre os principais protagonistas, com destaque para as diferentes versões para a interferência política do PS na TAP, a forma como David Neelman saiu da empresa ou até mesmo a reversão da privatização e consequente nacionalização da TAP mais tarde?

O escrutínio parlamentar, como o escrutínio jornalístico, são essenciais num Estado de Direito. Não compreender isto, é não respeitar a Democracia e, na prática, quem é contra o escrutínio parlamentar só pode ser classificado como um não democrata.

É muito triste que um político da geração da democracia não respeite a Assembleia da República e, seja ele próprio, protagonista de um Governo que cada vez mais se parece com um filme de série Z daqueles estúdios caseiros dos arredores de Hollywood.

Um aplauso, portanto, para a coragem do deputado Lacerda Sales, presidente da CPI da TAP, que colocou Pedro Adão e Silva no sítio.

4 O que irrita os socialistas é que o centro-direita deixou de fazer oposição de punhos de renda (quando os socialistas na oposição são sempre agressivos e intensos) e a comunicação social deixou de dar um tratamento de favor ao PS.

Talvez seja por isso que o núcleo duro enviou Pedro Adão e Silva para a primeira linha do combate contra os comentadores e os media, por ser o ministro que tem a tutela de comunicação social? O Governo Costa quer mesmo abrir uma guerra com os media?

Não deixa de ser igualmente extraordinário que seja Pedro Adão e Silva a protagonizar essa guerra. Não só por ter a tutela dos media públicos mas também por ser o ex-comentador ‘super cool’ que conseguiu a proeza de ser comentador político e de futebol, ao mesmo tempo que tinha um programa de música e ainda escrevia sobre surf pelo meio — além de muitas outras colaborações pagas pelos media.

5 E porque é que o faz? Porque o PS está em apuros. E essa convicção não nasce dos méritos de Luís Montenegro — que existem, apesar da má imprensa que efetivamente tem junto dos comentadores políticos. Nasce sim do  claro, evidente e absoluto demérito do primeiro-ministro António Costa e do seu Governo.

A esmagadora maioria dos analistas tem-se concentrado na alegada ausência de propostas alternativas do PSD e no facto de Luís Montenegro não ter conseguido capitalizar a descida acentuada do PS nas sondagens.

Prefiro concentrar-me precisamente nesse último ponto: o PS perdeu uma boa parte da sua base social de apoio desde que ganhou a maioria absoluta a 30 de janeiro de 2022.

Desde essa data, os socialistas não perderam 3 pontos percentuais ou 4 pontos percentuais. Perderam, sim, entre 10 pontos percentuais a 11 pontos percentuais face ao resultado que obtiveram no dia das legislativas de 2022. É uma descida muito acentuada que se consolidou nos últimos meses.

Pior: o espaço do centro-direita tem tido na esmagadora maioria das sondagens uma posição sólida de maioria absoluta. Sim com os malditos do Chega — aqueles que não contam para nada, independentemente do número de portugueses que votem no partido; pelo menos, é assim que o PS quer que o PSD pense.

Estes dados são o que verdadeiramente preocupa o PS, independentemente das manobras de diversão inventadas para Adão e Silva.

Adão e Silva é, neste momento, o segundo melhor exemplo do que é a arrogância natural no exercício do poder político. O primeiro é claramente António Costa. E ambos vão perder o poder mais cedo do que esperam.

PS — A propósito dos concertos que tencionava assistir nos próximos tempo, o ministro da Cultura afirmou à revista Visão: “(…) mas há uma coisa que deve ser interdita a um ministro, e ao da Cultura em especial, que é programar. Não influencio nenhum dos organismos para trazer os artistas de que gosto”.

Por que razão sente o sr. ministro necessidade de afirmar isto em público? Não é suposto ser assim? Ou será que Pedro Adão e Silva quer ser levado em ombros por não ter queda para o nepotismo? O poder faz mesmo mal a algumas pessoas.

Artigo alterado às 10h44