O termo The Great Resignation não é novo. Muito se tem falado, aliás, do ímpeto dos últimos tempos, que tem levado inúmeros trabalhadores a “abandonar”…

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” e se as empresas preferiam que os trabalhadores estivessem no escritório sossegaditos, as coisas já não podem ser assim. Quer dizer, até podem, mas será divertido ver como essas empresas vão contratar e reter trabalhadores neste mercado tão dinâmico.

A realidade é que, apesar da resistência à mudança, este momento traz uma oportunidade que não podemos deixar passar: o futuro do trabalho (na realidade o presente, mas já lá vamos).

Falamos, assim, de uma mudança de poder no mercado de trabalho (maioritariamente no tecnológico, mas não só). Se até aqui a percepção que havia era que as empresas podiam e decidiam, agora o poder é partilhado com o trabalhador. Cada processo de recrutamento é, agora, uma dança. Ou melhor, uma parte da música.

No mundo tecnológico há imenso jargão que pode não ser familiar a todos; de qualquer forma, fala-se muito da questão trabalho remoto vs híbrido vs presencial, se é das 9 às 6, com horário flexível ou mesmo assíncrono, quais os benefícios e perks, pelo que nenhum destes temas é novo apesar de serem, atualmente, centrais. Há opiniões e preferências para todos e não iremos chegar a um consenso pois, apesar das tentativas forçadas em convergir, somos todos diferentes. E ainda bem!

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O que proponho nesta reflexão é usarmos esta oportunidade para abordar o que “vendemos” aos trabalhadores como um Produto. Aliás, estamos claramente na era do produto digital, pelo que nada como abraçar um modelo Culture-as-a-Service (CaaS). Necessitamos encontrar os talentos certos para alavancar o sucesso da empresa e, para encontrar estes trabalhadores (os “utilizadores” do nosso produto), o mercado quer um produto cada vez mais customizado às suas expectativas. Esqueçam o one-size-fits-all – e as mesas de ping pong!

Qual é o caminho?

Precisamos definir quem realmente somos enquanto empresa, e qual o produto-cultura-experiência que temos para oferecer. Mais do que algumas frases líricas, escritas num canto na web, importa encontrar e partilhar os valores vividos: para fora, mas também para dentro.

Há que analisar e optimizar o nosso produto, da mesma forma que faríamos a qualquer outro produto no portfólio. Com a oferta atual, o nosso utilizador apenas mantém subscrições dos produtos que valoriza. No caso em mãos, por “subscrição” leia-se a retenção, motivação e produtividade que tanto necessitamos. O que não falta são produtos no mercado, certo? Pelo que, se não gostamos…

Não podemos continuar na cauda das tendências e cabe-nos, assim, conhecer os nossos “utilizadores”, compreendendo a sua experiência, as suas necessidades e expectativas, e quais as novas features que vão ao seu encontro. Features estas, que não só mantenham a subscrição (a tal retenção motivada), como também aumentem as mesmas (trazendo mais candidatos).

Lanço, assim, o desafio: pensem como um gestor de produto.

Quem são os vossos “utilizadores” (atuais e potenciais)?

Qual a experiência destes, do início ao final do ciclo?

Entrevistem-nos e percebam qual a sua realidade e quais os motivos que os levam a “pagar a conta todos os meses”. E sim, não nos esqueçamos dos “utilizadores” da versão grátis que andam por aí, mas todos sabemos que não “estão” verdadeiramente.

Do lado do trabalhador as circunstâncias estão muito mais interessantes do que alguma vez imaginaríamos. Existem empresas no mercado para todos os gostos e que procuram continuar a acompanhar as tendências. Gosta de estrutura e regras? Há por aí empresas violentamente estruturadas. Adora planear em cima do joelho? Existem empresas no mercado que a vão chocar com o seu “dinamismo”. A cultura de cada organização é como uma personalidade que se adapta, mais ou menos, à personalidade de cada um de nós. E é importante lembrar: nem todas as empresas são para todos, e nem todos são para todas as empresas!

Esta mudança de paradigma permite ao trabalhador escolher as features que quer, dentro dos produtos existentes; desde coisas simples, como ser respeitado e tratado como um ser humano (que deveria ser um requisito base, mas é por vezes tão esquecido), até características que lhe permitam aumentar a sua qualidade de vida (trabalho remoto, assíncrono, flexibilidade,etc). Não existindo já relações contratuais para sempre, o que se procura agora é um local onde possamos ser a melhor versão de nós próprios, e onde ficaremos enquanto tal for verdade. Até porque um utilizador satisfeito é um embaixador do produto, mesmo quando já não é subscritor.

Vivemos tempos entusiasmantes, onde temos a oportunidade de abraçar a nossa humanidade também no local de trabalho – esquecendo a realidade industrial a que nos habituaram. Os benefícios da emergência deste modelo de subscrição de cultura, bem aproveitados, tingem de optimismo o futuro do trabalho.

Ou assim esperamos!

Marisa Mercês é a Head of People & Culture na Timeular, uma startup internacional. Tem mais de uma década de experiência na área da gestão de pessoas e cultura organizacional. Trabalhou em países e culturas diversas e acredita que é possível ser-se feliz no local de trabalho. Alérgica aos “porque sim”, procura no seu dia-a-dia questionar a suas próprias crenças, e as dos outros, para perceber como tornar o comum em incrível.

O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõe o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.