A alegoria mais conhecida da Justiça é a de uma deusa de olhos vendados segurando uma balança na mão esquerda e uma espada na mão direita. A balança, que vem do tempo dos romanos, simboliza a equidade, o equilíbrio, a ponderação, a justeza das decisões na aplicação das leis. A espada, mais antiga, já que remonta ao tempo dos gregos, significa a força e o poder de execução das autoridades do Estado para imporem as decisões que tomam.

Quanto à venda nos olhos, essa é muito posterior, já que tem a assinatura de Albrecht Dürer, que, em 1494, numa xilografia ilustrativa d’A Nave dos Loucos, de Sebastian Brant, a representou como uma divindade a ser vendada por um bobo para que não visse a corrupção, os abusos e os vícios dos poderosos do seu tempo.

A igualdade, a imparcialidade, a objetividade e o respeito por todos, sem distinção, que se diz que a referida venda pretende representar, não passa, por conseguinte, de pura fantasia mítica. Ou, se quisermos ser mais claros, de mero revisionismo histórico.

Ora, com venda ou sem venda nos olhos, a função dos juízes é julgar os mais diversos litígios que ocorrem nas sociedades. No nosso caso concreto decidindo segundo a Constituição da República Portuguesa e as leis e, claro, preferencialmente decidindo de modo célere, sem nunca deixar de proteger os direitos e os interesses dos cidadãos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Existem duas maneiras de julgar, indissociáveis do perfil do juiz, que são seguintes: a primeira pertence ao juiz metódico, aquele que apenas toma a sua decisão após analisar os articulados e as alegações das partes, e todas as provas e normas aplicáveis ao caso concreto; a segunda pertence ao juiz convencido, que toma as decisões de acordo com o seu convencimento, lê superficialmente o processo e as provas. Baseia-se no seu poder cognitivo para decidir, basta-lhe o que ouve, vê ou lê e lhe desperte maior ou menor atenção. O resto não interessa e até é incomodativo. Não medita minimamente nas consequências próximas e remotas dos seus atos e sentencia como muito bem lhe apraz.

De pouca dedicação à justiça constitui exemplo de suma relevância o desinteresse na proteção da coleção dos valiosíssimos quadros pictóricos do ex-banqueiro João Rendeiro. A penhora de bens é um ato judicial e pressupõe que, a partir de tal momento, se transfira a sua posse para os tribunais. Quando os bens apreendidos são valiosos, o normal é que se proceda à remoção dos mesmos, a fim de se evitar o seu extravio.

Assim, se se tratar de um veículo automóvel, ele deve ficar à guarda das forças policiais; se se tratar de objetos de ouro, relógios e afins, eles devem ficar depositados no cofre do tribunal competente ou confiados à Caixa Geral de Depósitos; se se tratar de pinturas valiosas, elas podem ser transferidas para museus, para a Fundação Gulbenkian ou para a Fundação de Serralves, ficando essas instituições como fiéis depositárias desses bens, podendo, com autorização judicial, dar-lhes o devido uso, expondo-os e permitindo assim a sua valorização.

Proceder deste modo o mesmo é dizer que se seguiria o mesmo princípio da penhora de um imóvel que se encontra arrendado, cujas rendas são entregues ao depositário nomeado, o qual tem por encargo restituí-las ao tribunal à ordem do respetivo processo.

A proteção dos lesados tem de ser a finalidade da penhora de bens. A garantia da proteção da norma jurídica não pode ser banalizada e deixada ao alvedrio dos seus prevaricadores.

A tramitação de processos em que questões tão relevantes como a apreensão executiva de património, ou a definição das relações e obrigações parentais que deverão ser cumpridas com os filhos, entre outras, permanecem hoje nas mãos de entidades e de funcionários que atuam como auxiliares dos tribunais, com pouca experiência e limitados conhecimentos e formação no domínio da Administração da Justiça.

Imagine-se um sistema judicial apenas com o modelo de «juiz convencido», e esse juiz unicamente defender princípios ideológicos distintos e aplicar uma pena duríssima ou defender igual ideologia e não condenar. Ou, em processos cíveis, esse tal «juiz convencido», quando condena absolve, ou dá como provada uma diminuta indemnização contra ou a favor dos interesses de uma empresa, ou de qualquer pessoa.

Ora bem, o juiz, quando chega a tais extremos, já despiu a toga, feriu de morte a imparcialidade e a independência da magistratura e tornou-se um delinquente, porque sabe perfeitamente que a sentença que proferir será sempre injusta.

O fosso existente entre os juízes e a realidade sempre foi abissal, e perfilhamos um sistema de distanciamento sociológico comunicacional e cívico que se reflita, positivamente, na opinião dos cidadãos.

De resto, não é por acaso que os estudos de opinião existentes desde 2003 sobre a justiça em Portugal apontam sempre para a insatisfação dos mencionados cidadãos, chegando a 48% os que não confiam nada nela, 72% os que a consideram demasiado lenta, 70% os que entendem de que não dispõe dos recursos necessários e 60% os que acreditam que os juízes recebem continuamente pressões políticas.

A perceção generalizada é a de que a justiça entre nós se afigura como tudo menos como um serviço público eficiente e credível. Albrecht Dürer viu longe!