Ao olharmos para o próximo ciclo eleitoral de três anos, que terá início com as regionais na Madeira em outubro de 2023 e terminará com as legislativas em outubro de 2026, passando pelas europeias em maio de 2024, pelas regionais nos Açores em outubro de 2024, pelas autárquicas em setembro de 2025 e pelas presidenciais em janeiro de 2026, importa refletir sobre o que deveria ser feito quanto antes para evitar nova derrota da direita social, como muito bem a definiu o candidato que ganhou as últimas presidenciais representando-a.

Um caminho possível é indiscutivelmente dar continuidade à reativação da Aliança Democrática que começou no final de 2020 nos Açores, graças à visão de dois homens, José Manuel Bolieiro e Pedro Catarino, e que subjazeu à reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa em fevereiro de 2021, mas a que incompreensivelmente o então líder da oposição virou as costas, ao contrário do que todavia deveria ter feito a fim de ganhar as autárquicas de setembro de 2021 ficando assim preparado para ganhar as legislativas em caso de antecipação, como viria a acontecer logo em janeiro de 2022.

Atitude tanto mais incompreensível quanto, apesar estar fundada num mero acordo pós-eleitoral, a Aliança Democrática conseguiu ao longo dos dois últimos anos levar a cabo uma notável reforma fiscal nos Açores que reduziu as taxas de IVA de 23, 13 e 6 por cento para 16, 9 e 4 por cento, as taxas de IRC, incluindo derrama estadual, ou seja, acima de 1,5 milhões de euros de matéria colectável, de 24, 26 e 30 por cento para 14,7 por cento, e as taxas do IRS, no caso de um casal com um filho em que ambos os cônjuges trabalhem, para 6 por cento se tiverem uma remuneração mensal média de mil euros, para 11,5 por cento se ganharem 1500 euros, e para 15 por cento se ganharem 2100 euros.

Ou seja, contra uma oposição ideológica feroz na comunicação social e no meio académico, mas à semelhança do que tinham feito os antigos Países de Leste no final do século passado, as autoridades açorianas reduziram as taxas dos impostos principais para dois terços do que eram anteriormente, restituindo assim às famílias uma parte substancial da decisão sobre o destino a dar à riqueza por elas produzida.

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Esta devia ser também a aposta central do programa eleitoral duma Aliança Democrática nacional, a par naturalmente da promoção da natalidade, do reforço decisivo da participação dos eleitores na vida política, do aumento da capacidade de escolha das famílias na saúde e na educação, da consolidação da sustentabilidade das prestações sociais, da institucionalização das reservas ecológica e agrícola nacionais, da graduação do turismo tendo em vista dar vida à raia interior, da repressão do tráfico de mão-de-obra e da imensa criminalidade que lhe está associada e do fortalecimento da autonomia estratégica nacional, quer nas ligações aéreas com a CPLP e a diáspora portuguesa, quer na produção da energia elétrica necessária à descarbonização da economia.

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Além da redução das taxas daqueles e dos demais impostos, a desejável reforma fiscal deveria compreender também, a fim de acabar com a opacidade que o sistema tem para o cidadão comum, a progressiva diminuição do número das taxas e respetiva uniformização, e, a fim de devolver a liberdade a quem cria a riqueza, a gradual eliminação dos mais de 500 benefícios inventariados em 2019 que têm o efeito perverso de fazer do nosso país um verdadeiro paraíso para o chamado planeamento fiscal.

Por outro lado, tal como o do IRC pelas empresas, o pagamento de IRS deveria ser universalizado, na condição claro está de o rendimento bruto ser aumentado o suficiente para que o rendimento líquido não desça, a fim de mitigar a grande injustiça de só metade das famílias pagarem impostos sobre o rendimento, e inversamente de promover a redução da parte da abstenção eleitoral que resulta de os cidadãos com menores salários, ou que vivem de prestações sociais não contributivas, 45 por cento dos 5 milhões de famílias que declararam rendimentos em 2020,  se sentirem civicamente alienados porque a sua humilde colecta foi considerada indigna do esforço de cobrança.

Por fim, para recuperarmos gradualmente uma natalidade equilibrada e por consequência a sustentabilidade a longo prazo do estado social, a matéria colectável em sede de IRS deveria passar a ser divisível, em pé de igualdade, pela totalidade dos membros da família direta, incluindo portanto filhos e avós dependentes, e, sempre que a mãe ou o pai optem por renunciar ou suspender a sua carreira para ficar em casa a educar os filhos a tempo inteiro, até ao fim da escolaridade obrigatória, as famílias deviam receber do estado um salário mínimo por cada filho.

O que as lições aprendidas nos países que fizeram reformas fiscais semelhantes nos ensina é que as receitas perdidas são a prazo mais que compensadas pelo aumento que advém do crescimento da economia fruto do crescimento do investimento e portanto que o equilíbrio das contas públicas é alcançado sem ter que cortar prestações sociais, ainda que ao preço dum eventual agravamento temporário da dívida pública.

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A prosperidade que a reforma fiscal trará ao país deveria ser aproveitada também para complementar duplamente a corajosa introdução em 2007 do factor de sustentabilidade, ligado à esperança de vida aos 65 anos, no cálculo da idade mínima de reforma, por um lado, com a introdução dum plafond às pensões pagas por repartição de receitas das contribuições sociais, que são de 35 por cento da remuneração do trabalho, reduzindo assim a injustíssima desigualdade entre pensões mínimas e máximas pagas por repartição, e, por outro lado, com a concomitante adição dum segundo pilar contributivo obrigatório, complementar do primeiro, destinado esse sim a capitalização individual.

Acautelando sempre que as remunerações brutas aumentem o necessário para que as líquidas não desçam, devia-se ainda aproveitar o ensejo da reforma fiscal para se transferir formalmente a totalidade das contribuições sociais para a remuneração dos trabalhadores por conta de outrem, à semelhança do que por definição acontece com os trabalhadores independentes.

Assim se poria cobro à mentira institucionalizada segundo a qual o salário bruto dos trabalhadores dependentes só inclui uma contribuição de 11 por cento – como se o custo do trabalho que o mercado laboral leva em conta não incluísse os demais 23 por cento.

Acresce que desse modo os trabalhadores por conta de outrem teriam uma consciência maior do que o sistema contributivo lhes custa, a eles e só a eles, o que os ajudaria a optar entre políticas públicas alternativas propostas por partidos concorrentes.

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No sector da saúde todas as famílias deveriam passar a usufruir da liberdade de escolha entre prestadores públicos e privados que até aqui foi apanágio dos funcionários públicos, mediante a universalização do sistema de mutualização daqueles, cuja contribuição actualmente voluntária, de 3,5 por cento da remuneração do trabalho, voltaria a ser obrigatória e para todos os trabalhadores, dependentes e independentes, funcionários ou não, sem prejuízo de a respetiva gestão regressar ao ministério das Finanças, donde nunca deveria ter saído, devendo, também neste caso, as remunerações brutas aumentar o necessário para que as líquidas não desçam.

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A restituição às famílias da responsabilidade pela educação dos filhos, que a Constituição ordenou mas os governos se recusaram até hoje a cumprir, deverá assentar num triângulo: liberdade de recrutamento de professores pelos diretores das escolas públicas, liberdade de escolha entre escolas públicas e entre estas e as privadas pelos pais dos alunos, e liberdade de adopção do projeto curricular de cada escola pelos diretores e pelos pais – na condição claro está de os exames nacionais de quarto e sexto anos serem restaurados, e de a integridade originária dos demais ser reposta, posto que são a garantia da desejável liberdade pedagógica das escolas – e por isso foram uns abolidos e outros massajados.

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As reservas ecológica e agrícola nacionais, em boa-hora criadas graças à visão premonitória e à perseverança de Gonçalo Ribeiro Teles, são instrumentos ímpares de defesa dos direitos do território, transformado ao longo de milhares de anos de ocupação baseada em observação empírica, e que, por isso mesmo, têm sido vítimas de inúmeros desfiguramentos fruto de uma correlação de forças muito desigual, sendo portanto urgente emancipa-las das respetivas tutelas actuais, restaura-las na dimensão e âmbito originais e dota-las de serviços próprios autónomos e dependentes diretamente do parlamento.

A representação política dos direitos do património nacional não se deveria aliás limitar aos valores que as reservas ecológica e agrícola protegem mas estender-se às paisagens, fauna, flora e construções classificadas uma vez que a intervenção sobretudo no edificado histórico, urbano e rústico, passou a estar sujeita a regras altamente nocivas baseadas na preservação unicamente das fachadas e mesmo assim cada vez menos.

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O turismo independente baseado na fruição do património ferroviário histórico poderia ser um instrumento ímpar de promoção do nível de vida no interior se aproveitássemos o PRR para reabilitar os mil quilómetros de fabulosas linhas de comboio, e respetivas obras de arte, material circulante, apeadeiros e estações, que foram criminosamente desativadas nos finais do século passado, e para restaurar de acordo com as melhores práticas europeias, e aplicadas por equipas estáveis do serviço público competente, a pletora de vilas históricas abandonadas ao longo da raia que constituem o nosso Louvre esquecido.

Comecemos pelas linhas do Tâmega, do Corgo, do Tua e do Sabor e, passando pela linha do Douro, uma verdadeira maravilha de engenharia desenhada, financiada, construída e operada pela iniciativa privada portuense em toda a sua extensão até Salamanca, e pelas linhas do Vouga, de Lamego, do Dão, da Beira Baixa, de Vendas Novas, de Leste, de Evora e acabemos na linha de Moura.

Uma vez reabilitadas as ferrovias históricas e restauradas as vilas por elas servidas o mercado encarregar-se-á de criar os serviços de fruição, interpretação, alojamento e alimentação que atrairão os amantes dos comboios – que como se vê pela procura dos elétricos históricos em Lisboa são muito mais do que julgávamos.

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O fomento do turismo independente ferroviário, patrimonial e venatório ganharia muito com o aumento da proteção sem contemplações do montado que ainda subsiste, essa paisagem milenar indispensável à conservação do vinho, à produção do melhor trigo duro, de trufas excepcionais e das bolotas que alimentam o porco preto e, sobretudo, habitat do nobilíssimo touro bravo cujo papel simbólico central na nossa mundivisão e vida social, sempre associado ao do cavalo com o qual convive, está amplamente documentado no nosso património artístico desde a Idade do Bronze.

Ainda que para proteger o montado que subsiste seja preciso pôr limites sérios à expansão da agricultura e da silvicultura intensivas baseadas no tráfico e exploração inaceitável de mão-de-obra estrangeira, na captura gratuita dos perímetros de rega e dos aquíferos e no abuso de adubos, pesticidas e herbicidas, e portanto inimigas do desenvolvimento rural.

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Para consolidar a nossa autonomia estratégica, é crucial o investimento numa infraestrutura que habilite a nossa companhia aérea nacional a expandir as relações aéreas diretas com os outros países de língua portuguesa, designadamente com o Brasil, e com os continentes americano e africano em geral, fixando Lisboa, de uma vez por todas, como ponto de transbordo mais atraente para os que viajam nos dois sentidos entre aqueles países, a Europa e a Ásia, ou seja, a construção faseada de um aeroporto com quatro pistas nos 7,5 mil hectares que o estado possui em Alcochete, e da travessia fluvial ferroviária entre o Barreiro e Chelas que está acoplada ao traçado da futura linha de alta velocidade entre Lisboa e Madrid.

O investimento num novo aeroporto nacional em Alcochete teria que ser sempre prioritário à luz da consolidação da autonomia estratégica portuguesa, ainda que fosse o estado a ter que financia-lo integralmente a fundo perdido, mas os fundos europeus disponíveis nesta década, mais de 60 mil milhões de euros entre os que ainda não gastámos e os que ainda vamos receber até 2027, permitirem-nos investir concomitantemente na construção duma rede de alta velocidade, começando como é óbvio pela linha entre Lisboa e Madrid, para lugar a nossa capital às demais capitais europeias, e pela linha entre Lisboa e o Porto, para valorizar os nossos portos, ambas com bitola europeia.

A construção de um grande aeroporto nacional em Alcochete, destinado a garantir e consolidar o hub aéreo natural de Lisboa no qual assenta a viabilidade estrutural da nossa companhia aérea nacional, a qual, ao contrário do que continua a ser apregoado, não recebeu um tostão do accionista entre 1995 e 2020, devia ser custeada, como sempre esteve previsto, com receitas da ANA durante 30 anos, nem que para tanto fosse preciso restituí-la ao perímetro do estado uma vez que o accionista privado, apesar de só entre 2013 e 2017 ter acumulado resultados líquidos de 1,2 mil milhões de euros, já reconheceu publicamente não se considerar vinculado a fazê-lo – nem mesmo em contrapartida do prolongamento da concessão que acaba de obter, não até 2034, como era de esperar, mas até 2063…

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A reabilitação dos mil quilómetros de ferrovias abandonadas no final do século passado, a modernização dos dois mil quilómetros de ferrovias ainda em atividade e a construção da rede de alta velocidade, bem como a prevista descarbonização até 2035 da mobilidade rodoviária dependem de um aumento da oferta nacional de eletricidade muito maior do que o que resultaria da concretização do investimento estimado pelo governo em energia eólica e fotovoltaica.

As reservas comprovadas de urânio natural em Portugal são no entanto ainda suficientes para justificar a construção daqui até 2035 de uma central de energia elétrica nuclear de terceira geração, que complemente quantitativa e qualitativamente o acréscimo da oferta renovável, aproveitando o acesso a melhores condições financeiras que resultará da re-classificação pela UE dessa fonte de energia como sustentável, que entrará em vigor a partir do próximo dia 1 de janeiro.

Em suma, os dirigentes do PPD, do PP e do PPM deviam encarar seriamente a vantagem de se entenderem quanto antes sobre um programa de reformas que aproveitasse pelo menos algumas destas sugestões, que foram todas testadas noutros EM da OCDE e são perfeitamente compreensíveis e inteiramente comunicáveis aos eleitores da Aliança Democrática, e que por isso têm o potencial para desencadear o regresso dos eleitores que se afastaram dos três partidos da direita social quando deixaram de conseguir distinguir as respetivas políticas das dos partidos da maioria social-democrata que governa o país desde 2016 – com o infeliz concurso do próprio PPD durante a gerência precedente.

Para conseguirem dar esse passo contra os interesses imediatos dos respetivos aparelhos, os dirigentes actuais dos três partidos da Aliança Democrática deverão ter presente as causas profundas das vitórias surpreendentes de 45 por cento em 1979 e de 47 por cento em 1980, designadamente, as raízes ideológicas comuns, que se traduzem na partilha por dois deles do mesmo partido europeu, e a elevada complementaridade entre os três programas, um mais virado para a libertação da força criativa da sociedade, o outro para a sustentabilidade do estado social, sem prejuízo da primazia que deve ser dada aos que mais precisam de solidariedade, e o outro para a defesa do património ecológico, agrícola, paisagístico, arquitectónico e cultural.

O segredo do sucesso da Aliança Democrática foi sempre esse, não ter sido criada a pensar no somatório aritmético das votações pretéritas nos três partidos constituintes mas precisamente no valor acrescentado da sua complementaridade por com ela se identificar o eleitorado que se revê numa direita social, simultaneamente patriota, conservadora e reformista.