O jornal Expresso dizia-nos este fim-de-semana que o Governo se prepara para usar a margem orçamental para fazer campanha e assim combater a oposição. “Costa vai usar folga nas contas para salvar legislatura”, é o título da primeira página com o primeiro ministro disposto a fazer três anos de campanha. “Com 0,4% de défice é muito fácil andar em campanha”, escreve o semanário citando fonte do núcleo duro do Governo.
Em qualquer outra altura estaríamos escandalizados com tal intenção explicita, embora tudo aquilo que tem acontecido no último ano, racionalizado como apoio por causa da inflação, tenha já dado o sinal de que não existem políticas, mas “bodo aos pobres”.
O primeiro equívoco é que existe uma folga orçamental. Um país com a nossa dívida não tem folgas orçamentais e é lamentável que o Governo esteja a fazer uma gestão política, no que de pior tem a política, do saldo orçamental. Os défices agora existem com o número escolhido perto do fim do ano, em vez de se obter o excedente orçamental, acelerar a redução da dívida pública e começar a reduzir os impostos, a sério e não a fingir, ao mesmo tempo que se melhora e investe na qualidade da administração pública.
A utilização das contas públicas como arma de campanha é uma táctica antiga e foi usada várias vezes em Portugal. O que nunca tínhamos visto é a sua utilização por um Governo com maioria absoluta e milhares de milhões de euros de fundos europeus para investir, ferramentas que podia usar para aumentar a capacidade de crescimento do país durante a legislatura. E voltar até a ganhar eleições.
A coragem de verbalizar essa intenção, de usar as contas públicas para garantir o poder, é em si um grave sintoma na nossa democracia. O Governo parece ter a consciência de que pode continuar a fazer o que bem entender com o dinheiro dos contribuintes, usando-o de forma explícita e anunciada para continuar no poder, sem mostrar qualquer estratégia para o país.
A indiferença com que essa intenção do Governo é recebida revela igualmente como estamos transformados em sonâmbulos, incluindo neste grupo, especialmente, os partidos da oposição que defendem a disciplina orçamental.
São vários os contributos negativos que o Governo nos tem dado. Mas talvez um dos mais graves, pelos efeitos que tem em várias dimensões da nossa vida em comunidade, é ter-nos transformado em crianças à espera de um rebuçado ou chocolate que sai dos cofres do Estado. “ O Costa vai dar mais dinheiro” transformou-se numa frase que reforça a iliteracia financeira e a ilusão de almoços grátis.
Toda a responsabilização e consciência que se tentou criar com o colapso financeiro de 2011 desapareceu ou está em vias de morrer. O Governo parece querer ser o que dá dinheiro e não o que cria condições para nós ganharmos o nosso dinheiro e para se desenvolver o país.
Um vídeo da campanha eleitoral na Turquia mostra-nos Recep Tayyip Erdoğan a distribuir notas pelas pessoas. Mantidas as devidas distâncias, dizer que se vai usar o dinheiro do Estado para salvar a legislatura aproxima-se do que vimos, e criticamos, na Turquia.