O vírus tem costas mais largas que os nadadores olímpicos. Milhares de infelizes morreram ou adoeceram gravemente por falta de consultas, diagnósticos e cirurgias? Culpa-se o vírus. Uma data de gente começou a sofrer de avarias mentais? Culpa-se o vírus. As falências deixaram inúmeros inocentes na miséria? Culpa-se o vírus. O país enfiou-se num buraco fundo de que nem dez “bazucas” o resgatariam? Culpa-se o vírus. O problema é o vírus não ter culpa, que a culpa é daqueles que reduziram toda a realidade a uma única doença, alegadamente para a combater e na prática com resultados no mínimo duvidosos. A pretexto da Covid, deliberadamente ou não, promoveram-se imensas desgraças.

Uma das maiores foi o advento dos “especialistas” na matéria. Os “especialistas”, ficaram os leigos a aprender, são aqueles sujeitos especializados em prever com exactidão o que acabou de acontecer e especializados em falhar as previsões do que ainda não aconteceu. Num ponto os “especialistas” foram unânimes: sobre a evolução do vírus, e as escolhas para a respectiva contenção, as duas ou três semanas seguintes seriam decisivas. Aliás, a convicção a este respeito era tanta que os “especialistas” andaram ano e meio a repetir o aviso. À semelhança dos militares tresmalhados que julgam combater uma guerra terminada há décadas, alguns “especialistas” continuam a alertar para o risco das próximas duas ou três semanas.

Por regra e por felicidade, os “especialistas” costumam actuar nos canais televisivos, produto que não consumo há longos anos e ao qual só acedo por via indirecta. Pelos vistos, o desempenho dos “especialistas” tem oscilado entre apoiar com entusiasmo as decisões das “autoridades” (quando as decisões das “autoridades” consistem em baixar a acção humana para valores residuais, de modo a que possamos dedicar o tempo a contemplar os relatórios da DGS e, claro, a actuação dos “especialistas”), e criticar com moderação as decisões das “autoridades” (quando as decisões das “autoridades” consistem em permitir, com enorme bonomia, um bocadinho de liberdade e assim encolher a relevância dos “especialistas”). Em suma, os “especialistas” seguem aquilo a que chamam “ciência”, afinal os palpites do dr. Costa. Conforme é próprio do espírito científico, defendem a proibição de qualquer ideia nitidamente avessa aos palpites do dr. Costa, perdão, à ciência.

Nos canais nacionais, abrigos de entulho e fanatismo, os “especialistas” não destoam. O que me aborrece é que, praga que são, os “especialistas” se alastrem para os jornais e, dentro destes, para as colunas de opinião. Aqui a história toca-me de perto, e não é o receio da concorrência. Pelo contrário: é o pavor da desvalorização do meu ofício, hoje nas ruas da amargura. Não tarda, desce às avenidas da penitência.

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Vasco Pulido Valente havia um. Pedros Marcos Lopes são às resmas. Ou seja, para um colunista que pensava e escrevia deliciosamente, temos cento e cinquenta alminhas que ou sofrem de analfabetismo, ou de limitações cognitivas, ou – ver o citado sr. Lopes – acumulam. É certo que, pelo meio, resta uma dúzia de exemplares decentes, bons e muito bons. Não bastam. Sobretudo não precisam de novos colegas para ajudar a arrastar o colunismo na lama. Os Pedros Marcos Lopes sempre viveram na lama, fosse nos partidos ou nas franjas dos partidos, cadastro que por cá implica ascensão quase automática à crónica regular. Nesses casos inevitáveis, uma pessoa dá o desconto e, salvo por perversão ou tara, não lê. Os “especialistas” que vieram na enxurrada da Covid não são, ou não deveriam ser, inevitáveis, excepto se considerarmos a caldeirada de “cientificismo” e política que a epidemia suscitou.

O pior não é os “especialistas” pensarem com o coração, o órgão propenso à histeria. Grave, grave é escreverem com os pés. Há dias, introduziram-me, salvo seja, na pessoa, ideário e obra jornalística do médico Gustavo Carona, transformado em colunista do “Público”. Espreitei quatro ou cinco textos. Façam o mesmo. Viram? Deus tenha piedade de nós. O conteúdo é o que se esperaria de alguém que, segundo me garantiram, vai aos “telejornais” exigir restrições e censura. A forma é a que se esperaria de alguém que, simplesmente, se vê à nora para alinhavar uma frase sem cometer dois erros gramaticais. É a soma que deprime: os artigos do dr. Carona são redacções do ciclo preparatório, assinadas por um aluno do ciclo preparatório com pouco jeito e enorme vontade de agradar ao professor. Não sendo a coisa mais pobre que li do género (o sr. Lopes não falha), tamanha sucessão de banalidades envergonha. E a hipocrisia esclarece: sob o verniz “ecuménico” jaz o tipo de fervor inquisitorial que define um carácter. O conjunto é daninho. No Facebook, o homem diz-se escritor, médico humanitário e anestesista.

Médico humanitário, seja lá o que isso for, acredito. Escritor o dr. Carona não é, ou é na medida em que a pequena Greta é uma intelectual e o actual “Público” um órgão de informação e não uma folha de propaganda. Ou na medida em que eu sou habilitado a administrar anestesias: o sofrimento do paciente não ultrapassaria o do leitor das crónicas do dr. Carona.

Por falar em crónicas, esta é descaradamente corporativa. Implicando técnica e método, o colunismo é uma profissão, não um alívio promocional que ocupa vinte minutos das quintas-feiras. Como a profissão não deveria estar contaminada por papagaios partidários, também não faz sentido enchê-la de papagaios da DGS ou da sua própria vaidade. Se o dr. Carona quer ir à SIC passear intolerância e enxovalhar a classe médica, os médicos que lhe respondam. Mas enxovalhar a classe dos colunistas é um abuso. E uma redundância: já mencionei os Pedros Marcos Lopes?