A Caixa Geral de Depósitos regressou aos lucros. As contas do primeiro trimestre de 2018 revelam que o banco público voltou a ser rentável, mas também indicam que existe um longo caminho que ainda tem de ser percorrido para recuperar a solidez que aparentou noutros tempos.

O crédito malparado representa mais de 11% do valor total dos empréstimos concedidos e menos de dois terços estão devidamente cobertos. Isto significa que o banco não está a salvo de vir a ter de assumir novas perdas por causa dos riscos em que incorreu, um factor que vai continuar a pairar como uma nuvem negra sobre os resultados.

É fácil o caminho para arrastar um banco até à quase destruição e muito difícil proceder à respectiva recuperação. O poço fundo em que a Caixa foi mergulhada foi o produto de erros de gestão e de uma instrumentalização irresponsável com o objectivo de satisfazer objectivos traçados à margem de quaisquer considerações sobre regras de prudência e de boa administração.

Foi usada e abusada para cumprir os desígnios dos centros de decisão nacionais em negócios como a partilha do grupo financeiro detido por António Champalimaud entre o Santander e o BCP, antes de ser utilizada para o assalto ao poder no Millennium, quando as irregularidades cometidas pela gestão fundadora de Jorge Jardim Gonçalves forneceram a oportunidade para colocar sob o controlo do Governo de José Sócrates um importante foco de poder financeiro.

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Tomou posse, de forma obediente e conveniente, de posições accionistas em “campeões nacionais” como a Cimpor ou a PT, financiou empresários, investidores e projectos desastrosos, de que a La Seda e a Pescanova, são exemplos acabados. No fim das aventuras sobrou um rasto de perdas que teria sido ainda mais grave, talvez fatal, até, caso Pedro Passos Coelho não tivesse recusado fazer da Caixa o nadador-salvador que iria evitar o naufrágio do Grupo Espírito Santo.

Quem estiver interessado em saber o que se passou e como é que a Caixa chegou às profundezas a que chegou encontrará nos livros “A Vida e a Morte dos Nossos Bancos”, de Helena Garrido, e “Caixa Negra”, de Diogo Cavaleiro, duas boas fontes de conhecimento, capazes de fornecerem um quadro claro sobre o contexto em que as decisões foram tomadas e pormenores sobre o que sucedeu e quem esteve envolvido. No fundo, podem servir de sucedâneo perante os bloqueios legais que limitam a quebra do sigilo bancário, e que travam o acesso à lista de devedores que é pretendida pelo PSD, assim como aqueles que a maioria de esquerda já colocou para evitar embaraços ao PS e perturbações na geringonça a propósito de um tema incómodo, mais um, no passado recente dos socialistas.

Com alguma atenção, boa fé e liberdade em relação aos constrangimentos da pequena política, ou, simplesmente, da má política, permite a qualquer cidadão dispor de informação mais do que suficiente para constatar que, anos a fio e com o auge a ser atingido durante a governação financeiramente desvairada de José Sócrates, a Caixa foi pau para qualquer obra, pública ou privada. E que o arraial só terminou quando a crise colocou um ponto final na política da propaganda e das ilusões e o país não teve outro remédio se não o de se entregar nas mãos dos credores internacionais que obrigaram a que se desligassem as luzes, se fechasse a porta e se começassem a pagar as facturas da festa.

Nesta, como noutras matérias que ajudam a completar o retrato do apodrecimento e da descredibilização de um regime conduzido sob a batuta de uma elite desprovida do mais rudimentar sentido de Estado, o que surge como mais preocupante é a leveza com que os responsáveis políticos abordam a questão. Alimentam a suspeita legítima de que da próxima vez não será diferente e que os argumentos a favor da existência de um grande banco público têm mais a ver com as portas que abre às mais diversas traficâncias do que com as nobres proclamações sobre o papel de estabilizador do mercado, que só bancos saudáveis, bem geridos e imunes às tentações do poder político podem desempenhar.