1. Então, na crise da liberdade de aprender e de ensinar agora agudizada pelo actual Governo de esquerda radical (que pretende violar os contratos de associação assinados com escolas privadas), ninguém se lembra de invocar o direito constitucional e legal que nos rege? E de exigir o seu cumprimento? Em vez disso, aceita-se discutir o assunto como se se tratasse de uma questão não legalmente vinculada? Inclusive em entrevistas de altos responsáveis, de tom apaziguador? A extrema-esquerda e as várias famílias e associações jacobinas agradecem. Mas é coisa incompreensível.

2. Com efeito, é muito difícil compreender que a discussão pública que se tem alimentado entre nós, sobre a liberdade de ensino e de escola dos cidadãos, omita, salvo em raras e honrosas intervenções, a referência ao direito que rege na matéria — direito que o Estado Português não tem vindo a cumprir e agora mais deseja incumprir.

3. Recordemos, a propósito, e muito brevemente, apenas um ponto fulcral. A Constituição Portuguesa diz: «Na realização da política de ensino, incumbe ao Estado: […] Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito» (art. 74º). E a lei que desenvolve e cumpre este mandato constitucional, o DL nº 35/90, diz: «Durante o período da escolaridade obrigatória o ensino é gratuito. A gratuitidade da escolaridade obrigatória consiste na isenção total de propinas, taxas e emolumentos relacionados com a matrícula, a frequência escolar e a certificação de aproveitamento». E, aliás logo a abrir, este texto legal impõe o seguinte: «O presente diploma aplica-se aos alunos que frequentam o ensino não superior em estabelecimentos de ensino oficial, particular ou cooperativo».

4. Este é o direito que está em vigor, entre nós, inequivocamente pelo menos desde há 25 anos. Sublinhe-se: desde há 25 anos! Trata-se de satisfazer um direito fundamental pessoal, cujos titulares são os alunos do ensino obrigatório. A gratuitidade é um direito constitucional conferido a pessoas, não a escolas: a todos os alunos, quer escolham as escolas do Estado quer as escolas privadas. É a lei que o diz expressamente, não é uma questão de opinião. Repita-se o que diz a lei: «O presente diploma aplica-se aos alunos que frequentam o ensino não superior em estabelecimentos de ensino oficial, particular ou cooperativo».

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5. Entretanto, já houve dinheiro para tudo, tudo! Inclusive para luxos nas escolas públicas, com a justificação de que (disse uma ex-ministra da Educação) «os alunos merecem tudo». Não disse descaradamente que só os alunos das escolas públicas merecem tudo, mas subentendeu-se. Ultimamente, houve dinheiro até para que os taxistas remodelem os táxis. Mas não há para cumprir a lei da gratuitidade do ensino obrigatório, que é um imperativo constitucional.

6. A extrema-esquerda e o jacobinismo das várias espécies não são sensíveis aos diálogos de apaziguamento. Mas apenas às relações de forças. Forças físicas ou outras, culturais, legais. Que, para o respectivo e justo equilíbrio destas relações, os defensores do pluralismo e da não-discriminação, que são princípios expressamente consagrados na Constituição, não invoquem as legítimas razões de força da própria Constituição e da lei, é caso de vergonha pública.

7. O Estado tem a função de «garantir» (é a palavra constitucional) as liberdades fundamentais; e, para esse efeito, tem a função de «promover a efectivação» (é a expressão constitucional) dos direitos sociais dos cidadãos — que são direitos destinados a tornar «efectivas» as liberdades pessoais de escolha, não a satisfazer os desígnios doutrinários ou ideológicos dos detentores do poder político, com ofensa do princípio da não discriminação em função da religião ou opinião.

8. O Estado-Administração Pública não tem legitimidade de qualificar o conteúdo dos direitos fundamentais, como seja o conteúdo do direito de acesso ao ensino escolar, que em nenhuma parte da Constituição está definido como direito restrito à escola pública, e antes pelo contrário. Os direitos sociais não são direitos qualificados como laicos! A Constituição não menciona nunca o conceito de laicidade, designadamente quando garante as liberdades fundamentais de confissão religiosa. A única coisa que a Constituição postula é que o Estado não pode ser confessional — para assim respeitar as liberdades fundamentais, que incluem a liberdade de professar e de não professar religião. Por isso, as acções do Estado Administração não podem ser nem confessionais nem anti-confessionais: são neutras, sem comportar qualquer discriminação.

9. Diz o art nº 13º da Constituição: «Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual».

10. A que vêm então algumas vozes, invocando a laicidade do Estado, para discriminar os alunos das escolas privadas (mesmo as que não são confessionais) do seu direito pessoal e inalienável (constitucional e legal) à gratuitidade do ensino obrigatório?

Será por honestidade que, nestas matérias, nunca invocam textualmente nem a Constituição nem as leis? Haja uma santa paciência!