Uma parcela substancial da redução do défice público em 2018 vai resultar de poupanças com os juros da dívida. É com a ajuda desta importante muleta e do crescimento das receitas fiscais que o Governo decidiu rever os objectivos e remeter para Bruxelas um programa de estabilidade que aposta num desequilíbrio orçamental de 0,7% do produto.

Muita água passou por debaixo das pontes desde que Mário Centeno e António Costa acreditaram, em início de mandato, que a concretização do programa eleitoral do PS e o cumprimento das exigências dos parceiros da coligação seriam um passeio livre de obstáculos junto dos credores e das autoridades europeias. Com as pernas a tremer, os tenebrosos especuladores que exigiam a Portugal o pagamento de taxas de juro elevadas estariam dispostos a assistir de braços cruzados ao virar da página da austeridade e o mesmo aconteceria em Bruxelas, sede de uma ortodoxia acusada de ser a fonte de todos os males nacionais e junto de quem era preciso bater o pé.

O lirismo pode assentar bem num trovador, mas ajusta-se menos bem a um ministro das Finanças. Mário Centeno viu-se, bem cedo, na contingência de ter de emendar o caminho, enfiar na gaveta uma boa parte do programa com que o PS conseguiu perder as eleições de 2015 e aceitar que o melhor que tinha a fazer seria encontrar uma forma de colocar em prática uma política orçamental capaz de cumprir dois desígnios. Fingir, por um lado, que os tempos das fortes restrições orçamentais tinham terminado e, depois de constatar que não havia volta a dar, cumprir aquilo que tinha de ser cumprido.

Pode e deve discutir-se a forma como o Governo conseguiu, até agora, comprimir o défice e ajudar a fazer descer o elevado endividamento público. Mas o artigo que Centeno assinou no Público revela que o ministro das Finanças tem consciência da fragilidade da consolidação orçamental que realizou quando escreve sobre a necessidade de “preparar o futuro” e quando alerta que o país não pode “perder mais uma oportunidade”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mário Centeno sabe que os esforços realizados produziram frutos, mas que não resultaram de qualquer reforma estrutural. Não pode ignorar que as finanças públicas estão melhores, mas que o acréscimo de saúde está longe de ser robusto. Os futuros brilharetes orçamentais estão assentes em alicerces que não passam de um monte de incertezas como o ritmo de crescimento da economia, a cobrança fiscal que oscila a par daquela dinâmica e a disposição dos credores para emprestarem dinheiro a taxas de juro comportáveis. Em larga medida, são variáveis que escapam ao controlo do Governo.

Num cenário que aparenta a crescente indisposição da extrema-esquerda para continuar a exibir uma hipocrisia desavergonhada perante o garrote que asfixia os serviços prestados pelas administrações públicas, os riscos de a habilidade do ministro das Finanças se desmoronar como um castelo de cartas são tão colossais quanto a redução da factura dos juros de que se orgulha. Um resfriado numa conjuntura externa favorável, e que tem disfarçado a letargia reformista do Governo, ameaça impor uma reversão no défice, a menos desejável para Mário Centeno, a quem já se atribui a ambição de se acomodar numa próxima vaga na Comissão Europeia.

Contas públicas controladas na folha de cálculo já acabaram por se transformar nas ondas em que se afundaram ministros das Finanças como Jorge Braga de Macedo e Fernando Teixeira dos Santos. Os recados que Mário Centeno decidiu deixar por escrito revelam que conhece a lição e que pretende terminar o mandato com a dignidade de autor do mais baixo défice da democracia portuguesa. Depois, logo se vê, mas de longe. A partir da janela de um gabinete em Bruxelas, se tiver a oportunidade.