Mário Centeno anunciou um excedente orçamental em 2020. O primeiro da democracia portuguesa. Algo inimaginável quando até há muito pouco tempo para o PS, como para toda a esquerda e parte do PSD e do CDS, os excedentes orçamentais não eram valorizados. Significa que agora o passarão a ser? Significa esta promessa de Centeno que a previsão do governo é um sinal de que as contas públicas terão de ser excedentárias e que o governo tudo fará para que tal suceda? Significa isso que para um governo socialista uma economia forte e resiliente deve apresentar excedentes orçamentais públicos e uma boa taxa de poupança? Uma razoável taxa de acumulação de capital que permita um investimento verdadeiramente sustentável? Não. Muito pelo contrário. O excedente orçamental que Centeno nos promete deve-se não a uma boa governação mas a factores externos extremamente favoráveis que, quando desaparecidos, levarão o governo a anunciar défices, a ficar satisfeito com estes e a abominar os excedentes orçamentais como algo que impede o investimento público e o crescimento económico.

O factor externo que mais tem favorecido o ‘brilharete’ de Centeno são as taxas de juro muito baixas que se tornaram negativas. Basicamente, quem empresta ao Estado português perde dinheiro e não se importa de o fazer. Esta situação tem-se mantido e favorece o governo que, com dinheiro barato (não é dado, mas pago – os investidores pagam para que o Estado aceite receber emprestado), não precisa de fazer reformas para que as contas públicas se equilibrem pois há uma poupança automática que permite que o Estado social se vá aguentando. Basicamente, e porque as taxas de juros negativas não se explicam por as economias estarem fortes, deparamo-nos com um verdadeiro milagre. Milagre no sentido que o que é bom resulta não do esforço mas de uma acção como que divina que, no mundo das políticas monetárias que servem para distorcer o funcionamento dos mercados, dão pelo nome de bancos centrais. Na verdade, as taxas de juro não são baixas porque a economia vai bem, mas porque o BCE decidiu actuar porque a economia vai mal.

O BCE tem colocado tanto dinheiro na economia com o objectivo de subir a inflação e estimular o crescimento económico anémico que, não sabendo o que fazer com este, os investidores emprestam com prejuízo, já que parado no banco custa mais. O que se pretende é que se gaste estimulando-se dessa forma a actividade económica. O resultado é que não tem sido o melhor, como se vê nas economias europeias e se tem visto no Japão, com taxas negativas desde 2000.

A semelhança entre a Zona Euro e o Japão não é a falta de dinheiro, mas a dimensão da dívida que estagna as respectivas economias. Ora, só é possível pagar dívida com poupança e investimento, o que se consegue com redução do consumo e do desperdício. No entanto, o que poderia até ser facilmente incentivado e aceite se tivermos em conta que o combate às alterações climáticas pressupõe uma redução do consumo e do desperdício, nada se tem feito nesse sentido. Tanto na Zona Euro como no Japão as políticas seguidas são de mais e mais liquidez nos mercados para que se gaste mais e mais e, dessa forma, o PIB cresça, o défice e a dívida pública desçam percentualmente, mesmo que esta última cresça em valor absoluto.

Com dinheiro a rodos e obtido sem esforço não se fazem reformas. O problema também já atingiu a França que paga hoje menos por uma dívida pública que representa 100% do PIB que em 2008 quando esta se ficava pelos 65%. Ou seja, a França paga hoje menos por mais dívida que no passado lhe cobravam por menos dinheiro que devia. Qual é o Estado que vai proceder a reformas nestas condições? A árvore das patacas que o BCE criou (à semelhança da do banco central japonês) anestesiou as economias, anestesiou as pessoas, as empresas e os governos. As decisões indispensáveis foram adiadas para quando a conjuntura mudar. O problema é que quando tal suceder, quando as taxas de juro subirem, as dívidas (e os défices) acompanhá-las-ão. Nessa altura o que hoje se diz dos excedentes orçamentais será esquecido, os défices voltarão a ser louvados com o problema de já não haver dinheiro em excesso que seja emprestado a custo zero ou negativo. Não tenhamos dúvidas que as taxas de juros negativas são a nossa perdição.

É neste cenário que Centeno pôs o país a trabalhar para ele. Para o seu prestígio, o qual e como se vê, nem sequer é verdadeiro. Só assim se compreende a carga fiscal recorde e as cativações. Quando a realidade vier ao de cima Centeno já nem será ministro. Por vezes ponho-me a pensar como é possível que um país seja tão facilmente maneável. Depois concluo que povo que se engana uma, engana-se duas, três, as vezes que forem precisas porque é mais confortável. Pouco mais resta a fazer que não seja escrever e alertar.

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