Em Portugal, passam-se coisas extraordinárias. As últimas semanas não foram excepção.
1 A Iniciativa Liberal fez um arraial de santos populares deveras lamentável. Percebe-se a necessidade de marcar a agenda mediática, mas fazê-lo numa fase ainda tão periclitante da recuperação sanitária deveria pôr em causa a imagem do partido. As autoridades não têm, naturalmente, moralidade para posicionar-se contra o dito arraial, pois deixaram o PCP fazer o que queria em momentos, convenhamos, bastante mais delicados da pandemia. A Iniciativa Liberal deveria fazer diferente e deixar estes truques da cartilha dos velhos para os velhos.
2 Nuno Palma fez uma apresentação sobre o progresso da educação e o crescimento económico no Estado Novo utilizando um conjunto de dados agregados que mostram, indubitavelmente, que houve melhorias substanciais nesta matéria em Portugal, especialmente a partir de 1945. A posição de Nuno Palma é altamente criticável por equacionar desenvolvimento com números agregados de educação e crescimento de PIB. No entanto, tudo aquilo que Nuno Palma apresentou é rigorosamente verdade e, neste momento, na academia internacional comummente aceite. Que o Partido Socialista tenha largado ajudantes e apaniguados para intimidar Palma não é nada de novo. Para além da divulgação de informação privada de Palma nas redes, fizeram, inclusive, queixas à Universidade de Manchester que, naturalmente, rapidamente as arquivou porque, felizmente, ainda há países onde a academia e a liberdade se levam a sério. Que José Pacheco Pereira (JPP) tenha decidido atacar Nuno Palma, com um tom absolutamente paternalista, mandando-o estudar, já é algo mais triste. JPP tem uma obra notável como historiador do Comunismo e sabe bem qual a diferença entre trabalho sério e prosélitos partidários. De resto, sendo comentador residente num programa com um advogado de negócios e a líder parlamentar do PS parece conviver bem com os últimos.
3 Pedro Adão e Silva foi nomeado Comissário Executivo da Comissão para as Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. Eu sei que Mariana Vieira da Silva e António Costa pensam pequenino e têm poucas ambições para o país, mas, caramba, poder-se-ia ter arranjado alguém com mais gravitas para dirigir tamanho empreendimento. De resto, é difícil entender a nomeação de Adão e Silva para além do ângulo político. Academicamente, a sua existência ainda precisa de ser comprovada. Não tem qualquer publicação internacional, nem participa nos congressos clássicos da disciplina. Adão e Silva é conhecido apenas e só por ser comentador de bola, surfista, e tudólogo. Ainda tentou fazer o número de última hora dizendo que não vai acumular o salário como comissário com o de professor, quando eu sei que ele sabe que eu sei que isto foi arranjado ex-post: o despacho de nomeação afirma claramente que o salário seria acumulável. O meu problema não é com Adão e Silva, nem mesmo com ser alguém ligado ao PS, o problema é mesmo ser alguém com tão pouca gravitas, que, de resto, continuará ao longo dos próximos anos a escrever nos jornais. Ainda nos últimos dias o vi opinar no Expresso, na TSF e na RTP sobre a sua própria nomeação, atingindo um paroxismo difícil de explicar. Quando opinar sobre o Chega, o Bloco de Esquerda ou o Presidente da República nos próximos anos fá-lo-á na sua qualidade de comissário dos 50 anos do 25 de Abril, que devem envolver toda a sociedade portuguesa da esquerda à direita, ou como tudólogo encartado e agente partidário? Convinha esclarecer.
4 Ana Paula Vitorino, mulher de Eduardo Cabrita, ministro que tantas alegrias nos tem dado ao longo dos últimos anos, foi nomeada como presidente da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes. O problema dos reguladores em Portugal é já um clássico e tem consequências graves para a qualidade da democracia, como imensos estudos académicos têm comprovado. A nomeação de Ana Paula Vitorino é mais um passo na estratégia de António Costa de tomada do Estado por dentro e colocação de peões em lugares estratégicos. Lamentável.
5 Por último, Fernando Medina e a entrega dos dados de manifestantes a países como a Rússia, a Venezuela ou mesmo Israel. Se não fosse grave, seria mesmo risível. A Comissão Nacional de Protecção de Dados, sempre tão lesta a proteger dados relacionados com políticos e que deveriam ser públicos (uma história que deixo para outro dia), não fez o seu papel. Medina entregou os dados, pediu desculpa, o Sr. Presidente da República também “achou lamentável” e está tudo bem. Podemos seguir em frente. Medina será reeleito em Outubro, para mal dos Lisboetas que todos os dias convivem com uma cidade suja, com lixo por todo o lado, e sem qualquer ideia para o futuro. Alguém já perguntou ao Dr. Medina qual o seu plano para a habitação?
Estes cinco “casos”, que ocorreram apenas no último mês, contribuem para, e ilustram, o lodaçal em que Portugal e a nossa vida pública se transformaram. Não espanta que existam estudos que mostram que os Portugueses estejam cada vez mais ansiosos por um regime que seja funcional e que aumente o seu bem-estar, mesmo que isso seja feito à custa de qualidade procedimental e da democracia. Assim andamos.