De repente, instalou-se a ideia que os Eurobonds são a solução imediata para a crise económica. Como a União Europeia não se prepara para adoptar os Eurobonds nas próximas semanas, já há muita gente a anunciar a “morte da Europa.” De certo modo, não há aqui nada de novo. A história da União Europeia também é a história dos seus óbitos. Mas a União Europeia é mais resistente do que se julga. No entanto, o súbito entusiasmo com os Eurobonds mostra um problema com a discussão sobre a natureza da União Europeia.
Há muita gente que mostra um entendimento curioso e errado sobre a natureza da União Europeia. Passam o ano a dizer que não são federalistas, que não querem dar mais poderes a Bruxelas e, sobretudo, que não gostam da intromissão de Bruxelas na vida económica nacional. Mas, quando chega uma crise, exigem que a União Europeia se comporte como se fosse um Estado federal e tivesse respostas rápidas, próprias de um poder soberano. Não é possível desejar soberania nacional quando tudo corre bem, e pedir federalismo europeu quando chegam as dificuldades.
Apesar de uma partilha significativa de soberania, a União Europeia é, no essencial, uma união de Estados nacionais e soberanos. A Comissão Europeia não é o governo europeu, e o Presidente, ou a Presidente como agora, não é o PM europeu. E é muito fácil entender por que é assim: os países europeus querem manter o poder nacional. Nenhum governo, repito nenhum, quer uma federação em Bruxelas. Dou um exemplo, dado que estamos a viver uma crise sanitária muito grave na Europa. Até hoje, todos os países europeus quiserem que a política de saúde fosse uma competência nacional. Nunca deram qualquer poder a Bruxelas na saúde. Não podem, agora, pedir grandes respostas à União Europeia.
A União Europeia funciona quando há uma vontade colectiva suficientemente forte entre os 27 Estados membros. Quando não há essa vontade de todos, não funciona. Além disso, os chefes dos governos europeus, aquelas senhoras e aqueles senhores que se sentam no Conselho Europeu, devem a sua legitimidade e o seu poder às suas democracias, aos seus eleitorados. São chefes de governo porque foram eleitos nos seus países. Não foi a Europa que lhes deu o poder. Enquanto for assim, os interesses nacionais prevalecem sobre a solidariedade europeia. As pessoas podem queixar-se, chorar, podem rezar ao santo Delors, podem chamar tudo e mais alguma coisa aos alemães e aos holandeses. Mas nada disso muda a realidade. Não peçam a Bruxelas o que ela não pode dar.
Apesar de tudo, Bruxelas e Frankfurt já tomaram decisões muito importantes. A Comissão Europeia suspendeu o Pacto de Estabilidade e permite as ajudas de Estado aos sectores económicos mais afetados. Num momento de urgência, Bruxelas tomou rapidamente medidas extraordinárias e suspendeu duas das regras fundamentais da União Europeia. Nada mau para quem não tem poder soberano.
O BCE adoptou uma política monetária sem precedentes, passando a comprar as dívidas nacionais sem quaisquer limites. A política monetária do BCE impede, pelo menos por enquanto, uma crise financeira soberana na Europa.
A adopção dos Eurobonds a curto prazo será necessária se o BCE não for capaz de impedir uma crise financeira das obrigações italianas durante os próximos meses. Mas se houver uma crise financeira séria em Itália, então a Alemanha terá que escolher entre Eurobonds e a manutenção dos italianos no Euro; aí escolhe os Eurobonds.
Mas a introdução dos Eurobonds implicará transferência de poderes para Bruxelas. Ninguém tenha qualquer dúvida sobre isso. O governo e os partidos portugueses devem pensar muito bem sobre isso. Se querem Eurobonds, vão perder poder fiscal e orçamental. Haverá mais poder europeu e menos soberania nacional. Convém pensar nisso enquanto é tempo. Vão perceber o que isto significa quando a Alemanha, um dia, apresentar as contrapartidas à introdução dos Eurobonds.
Na minha opinião, a prazo, os Eurobonds serão introduzidos para garantir a sobrevivência da zona Euro. Mas convém que os partidos portugueses tenham consciência sobre o significado político dos Eurobonds. Depois não se queixem. Sobretudo os partidos de esquerda. Com Eurobonds, não será possível aprovar orçamentos com os votos do Bloco e do PCP, a não ser que esses partidos mudem, e muito.