Começa hoje, segunda-feira 26 de Junho, a 31ª edição anual dos Encontros Internacionais de Estudos Políticos/Estoril Political Forum (EPF). O tema desta 31ª edição é duplo: “Rebuilding Democratic Consensus at Home and Abroad & Celebrating the 650th Anniversary of the Anglo-Portuguese Alliance”.

Uma das principais atrações dos três dias do programa (com mais de 40 oradores estrangeiros) será a apresentação por Timothy Garton Ash da edição portuguesa do seu livro mais recente: Pátrias: Uma História Pessoal da Europa (Temas e Debates).

Tim apresentará o seu livro na terça-feira, no âmbito da Ralf Dahrendorf Memorial Lecture. E a referência a Dahrendorf é também apropriada para explicar a inspiração para o título global do EPF sobre o consenso democrático.

Ralf Dahrendorf sempre enfatizou a distinção entre o que designava por “política constitucional” e por “política normal” – bem como a crucial importância desta distinção para a saudável sobrevivência das democracias liberais. Só o consenso em torno das regras gerais do jogo democrático (“política constitucional”) permite o exercício pacífico da discordância, concorrência e alternância entre propostas políticas e partidos políticos diferentes e rivais (“política normal”).

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Isto simplesmente significa, sublinhava ainda Dahrendorf, que numa democracia liberal civilizada todos devemos aprender a saber ganhar e a saber perder – sobretudo a saber perder uma eleição.

Este ponto tinha certamente sido sublinhado por Karl Popper – que foi professor de Dahrendorf na LSE (London School of Economics and Political Science) logo a seguir à II Guerra, tendo depois Dahrendorf sido Reitor da LSE (entre 1975 e 1985, e em seguida reitor do St. Antony’s College, em Oxford, entre 1987 e 1997).

Na sua obra crucial de 1945, The Open Society and Its Enemies, Popper sublinhou que a superioridade das democracias liberais residia no reconhecimento da sua imperfeição – o que, por sua vez, garantia a possibilidade de mudança de políticas e de mudança de governos sem violência (“without bloodshed”, era a expressão consagrada). E esta abertura à mudança gradual pacífica era garantida por regras do jogo constitucional (a “política constitucional” de Dahrendorf) que impediam as ditaduras e protegiam o pluralismo tranquilo da concorrência entre propostas políticas e partidos rivais (a “política normal” de Dahrendorf).

Daí a importância crucial do consenso democrático sobre as regras gerais constitucionais que garantem a normalidade pacífica da ausência de consenso sobre propostas políticas específicas.

Talvez valha a pena também recordar que Karl Popper associava o respeito pelas regras constitucionais ao espírito da “gentlemanship” e das boas maneiras. E Popper atribuía a longevidade da pacífica democracia parlamentar britânica, cuja mais recente revolução ocorrera em 1688, àquilo que gostava de designar por “Mistério britânico”: a associação entre um profundo apego à liberdade e um profundo sentido espontâneo de dever pessoal.

“Gentlemanship”, dizia Popper, residia na capacidade de cada pessoa (homem ou mulher) não se levar a si mesmo demasiado a sério, mas de estar preparado para levar muito a sério os seus deveres – sobretudo quando muitos à sua volta só falavam nos seus direitos.

Ao longo dos 30 anos dos Encontros Internacionais de Estudos Políticos, temos procurado vivenciar as indicações de Popper sobre “gentlemanship”, bem como a distinção de Dahrendorf entre “consenso constitucional” e “discordância sobre a política normal”. Por isso nos orgulhamos de continuar a ser casa comum de um diálogo permanente entre vozes diferentes – que discordam tranquilamente entre si porque partilham os valores da democracia liberal, da aliança euro-atlântica e da Ideia ancestral de Universidade como lugar da busca desinteressada da Verdade, do Bem e do Belo, e não como lugar de propaganda ou de “luta de classes”.