É fácil falar do que não se faz. Por exemplo, é relativamente mais fácil a Portugal apoiar a Ucrânia que à Polónia porque os polacos correm mais riscos que nós. Tal não significa que em Varsóvia não se apoie Kiev. Apenas que esse apoio lhes custa mais. Tal como aos Alemães, aos Estónios, aos Suecos e a qualquer país que faça fronteira ou esteja geograficamente próximo da Rússia. Mas foquemos-nos na Polónia que é um dos maiores fornecedores de ajuda militar à Ucrânia, através do envio de munições, tanques e aviões de combate, além de produzir munições em conjunto com os ucranianos. Os polacos apoiam a entrada da Ucrânia na NATO e na UE, ao contrário do que sucede com o governo português, cujo primeiro-ministro não foi tão taxativo nesta matéria quanto o Presidente da República. A somar a tudo isto, a Polónia acolheu ainda cerca de um milhão e trezentos mil refugiados ucranianos e autorizou a passagem do trigo ucraniano pelo seu território para poder ser vendido noutros países.

Os polacos são os grandes aliados da Ucrânia na guerra contra a Rússia e, apesar disso tudo, há desentendimentos, que até são naturais em povos que há séculos vivem lado a lado e com uma longa história de violência mútua. Ora, estes desentendimentos vieram à tona no início de Agosto com a renegociação da extenção do acordo do transporte de trigo através do território polaco. De imediato, as relações entre os dois países esfriaram, o embaixador polaco foi chamado por Zelensky e Varsóvia não escondeu a sua irritação. É que ajudar custa e é nesse custo que reside o valor da ajuda. Dias mais tarde, Marcelo Rebelo de Sousa visitou Kiev e outros locais marcados pela guerra, falou com pessoas na rua e foi excelentemente bem-recebido por Zelensky. Como é que foi possível? É muito simples.

Portugal apresenta-se neste conflito com pouco mais para oferecer que boa vontade. Por alguma razão, Marcelo salientou a credibilidade de Portugal na comunidade internacional o que, traduzido por miúdos, significa um país que não chateia nem interfere e, para o bem e para mal, conta pouco. Este Verão foi marcado pelo derrube dos governos no Burkina Faso e no Níger, que eram próximos de Paris. Contavam, inclusive, com tropas francesas estacionadas nos seus territórios. Os novos governos nestes Estados terão o apoio da Rússia que pretende alargar a sua influência no Sahel. Conclusão óbvia e natural: a guerra contra a Rússia de Putin também se faz em África. Ora, o papel de Portugal nesta matéria é bastante simples e traduz-se em tentar trazer para a esfera ocidental os Estados de Cabo Verde, Angola e Brasil, cujos governos têm mostrado compreensão para com o governo de Putin. Não deixa de ser relevante, e um indicador de uma negligência estratégica da parte Portugal, que Angola e Moçambique tenham sido um dos 35 países que se abstiveram na votação da resolução da ONU que condenou a invasão russa da Ucrânia.

De referir que a acção diplomática portuguesa até pode ir mais além do pedido que Zelensky fez a Marcelo Rebelo de Sousa. Naturalmente que seria um processo longo e paciente, mas não será de excluir uma possível colaboração e interacção entre Cabo Verde, o Brasil e a NATO. Esta é uma Aliança do Atlântico Norte mas, a partir do momento em que chega à fronteira da Rússia, nada impossibilita que se alargue para sul e, conforme tive oportunidade de mencionar na Rádio Observador no passado dia 19 de Agosto, se evite a propagação das influências chinesa e russa nessa zona do globo.

Honra lhe seja feita, o Presidente da República aproveitou uma pergunta feita a Zelensky sobre a morte de Prigozhin para mencionar a contribuição que Portugal faz e pode fazer ainda mais em África no combate contra Rússia de Putin. Marcelo Rebelo de Sousa bateu no ponto, mas é um que exige visão estratégia, paciência e, acima de tudo, esforço, algumas escolhas e um pouco de impopularidade. Porque fazer custa mais que falar. Que o digam os polacos.

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