No dia em que se assinalam os 90 anos da chegada ao poder absoluto de António de Oliveira Salazar, António Luís dos Santos Costa quis assinalar que quem manda absolutamente no governo é ele. No «seu» governo, no «seu» Partido Socialista e na «sua» maioria absoluta.
Podemos perguntar-nos se o azougado ministro Pedro Nuno Santos será assim tão azougado, ao ponto de decidir construir dois aeroportos lisboetas de uma assentada, sem dar conhecimento ao chefe. Ou se, em hipótese alternativa, alguém lhe sugeriu para se pôr em bicos de pés porque teria, em qualquer circunstância, a tolerância ou até o temor do líder, ele que põe a tremer as pernas de qualquer um. Ou ainda, e talvez seja esta a explicação mais plausível, se o fez em plena consciência das inevitáveis consequências que a sua «falha» teria, sendo isso mesmo que ele quis. Que não tenha comunicado os seus planos ao Comandante Supremo das Forças Armadas é coisa banal no PS, neste governo de maioria e neste novo primeiro-ministro. Também pode, Pedro Nuno Santos, ter feito uma leitura indevida dessa relação tóxica entre o Mais Alto Magistrado da Nação e o partido onde milita, e não se ter apercebido que só ao chefe é permitido destratar publicamente o Supremo e Mais Alto Magistrado, prazer que não está ainda ao seu alcance. Mas, se não se dirigiu ao chefe, quaisquer que tenham sido as razões, estava a pedi-las. Resta saber se as pediu intencionalmente, por ingenuidade, ou por excesso de confiança.
Aqui chegados, das duas três: ou o salvador da TAP e da CP caiu num engodo que lhe foi posto para o diminuírem publicamente e, a prazo, se verem livres dele, ou foi ele mesmo quem montou o engodo para desafiar o chefe e marcar posição para lhe ficar com o lugar, daqui por algum tempo. Já quanto ao homónimo do antigo chefe do Conselho de Ministros da outra senhora, hoje aniversariante, este episódio tem uma leitura unívoca: está farto de Pedro Nuno Santos.
Em qualquer caso, há uma coisa que resulta muito clara: nem António Costa nem Pedro Nuno Santos estão a contar que esta legislatura complete os quatro anos e meio com que o eleitorado português a abençoou. António Costa não desconsideraria, a golpes de chibata e na praça pública, o enfant térrible socialista que tem a máquina do partido aos pés, porque certamente não estaria para o ter, no PS, a maquinar contra si por quatro longos e penosos anos. Mas o ministro também não desrespeitaria um líder que presuntivamente permaneceria no poder esses mesmos quatro anos, com uma maioria absoluta no Parlamento, até porque certamente não ignora que, por vezes, de enfant térriblea enfant horrible é um pequeno e curto passo que costuma ser dado quando se perde o poder.
Por conseguinte, o mais provável é que este episódio tenha um significado que largamente o transcende: o PS já sabe que António Costa está de abalada, provavelmente daqui por dois anos, para a presidência do Conselho Europeu. De resto, o novo Costa, o Costa da maioria absoluta, já não é o Costa da geringonça, nem o Costa ladino das eternas conversetas com as Catarinas e os Jerónimos. Não, nada disso! O novo Costa é um Costa cosmopolita, cidadão do Mundo que convive com os grandes vultos do seu tempo, que dá opiniões sobre a guerra e a paz, sobre Putin e Zelensky, sobre a NATO, senhores, sobre a NATO, que levanta dificuldades na adesão da Ucrânia à União Europeia e que afiança à Humanidade, com aquele tom de voz e palavras claras que devem suscitar a curiosidade dos seus pares (“Afinal, que língua fala ele?”), que “não cederemos um metro do que pertence à NATO”. Ou seja, Costa fez-se grande entre os grandes e, por isso, será com naturalidade que o teremos a substituir o exótico Charles Michel, daqui por dois anos. E que nos regalaremos a vê-lo debater com os seus pares, refastelado numa poltrona, os grandes assuntos do Mundo, com a presidente da Comissão Europeia sentadinha numa cadeira lateral.
Tudo isto sucede nas antevésperas da chegada de Luís Montenegro à liderança do PSD. Como os melões, Montenegro líder do PSD é um enigma que só se desvendará quando começar a exercer essas funções em plenitude. Isto, se o Líder Emérito e os seus cardeais e acólitos o deixarem em recato, claro. Sucede que esta vai ser uma oportunidade única para se afirmar um líder e se relançar o moribundo partido laranja. Porque, ao contrário do que há uns meses se julgava, as próximas legislativas poderão não estar muito distantes; porque o governo tem cometido erros sobre erros, uns atrás dos outros; porque quem quis e alcançou uma maioria absoluta tem de ser absolutamente responsabilizado pelas asneiras que comete; e porque esta é a hora definitiva para o PSD: ou despega da mediocridade em que o Líder Emérito o pôs e deixou, ou ficará condenado a ser um partido concorrente do Chega e da Iniciativa Liberal pela chefia da oposição, em vez de ser um competidor do PS pela liderança do governo. Luís Montenegro que não caia no equívoco, de resto longamente experimentado e comprovadamente errado pela penosa gerência do Líder Emérito, de ter um discurso redondinho e colaborativo, numa altura em que o SNS está a explodir, os cidadãos pagam os combustíveis ao preço de champagne francês e a inflação galopa sobre os já imensamente parcos rendimentos das pessoas. O PSD que se distinga do PS, e depressa, ou os portugueses não lhes perdoarão, Nem a ele, nem ao PSD. E, desta vez, definitivamente.
Quanto ao Chega e à Iniciativa Liberal, talvez tenha chegado a hora de fazerem política para além dos soundbitesdos ciganos e das marchas do orgulho, e terem em atenção que há um país a governar para além do socialismo. Se forem capazes de entender isso, o que está ainda por demonstrar.