Pedro Sánchez já não é líder do PSOE. Mas a sua história é muito instrutiva sobre as aflições da esquerda democrática na Europa. Geralmente, o hábito manda dizer que a social-democracia tem dificuldades com a “globalização” e a “austeridade”. Talvez tenha, como todos têm, à esquerda e à direita. Mas a social-democracia tem um problema muito maior com o radicalismo anti-democrático contra o qual parece por vezes não ter defesas.

Sánchez perdeu todas as eleições – duas legislativas, duas autonómicas, e as municipais –, com os piores resultados da história do PSOE. Perdeu também a confiança do Comité Executivo, com 17 dos seus 35 membros a saírem em protesto. Mas mesmo sem eleitores e sem colegas, Sánchez preparava-se para ficar. O plano, cheio de truques, era convocar eleições directas, para ser confirmado como líder pelos militantes. Mas como esperava Sánchez levar a militância a reeleger o mais calamitoso chefe da história do partido? Muito simples: invocando a sua aura de grande inimigo da “direita” no PSOE e acusando qualquer rival de favorecer o PP. Foi para manter o lugar deste modo que Sánchez recusou viabilizar um governo do PP em Espanha durante um ano.

Sánchez não é único. Na Inglaterra, o líder trabalhista Jeremy Corbyn perdeu o referendo europeu e anda com sondagens terminais. Mas ao contrário de Cameron, não se demitiu. Ficou, apesar de os eleitores e de a maioria dos seus deputados o terem renegado. Como? Apelando aos radicais que desde Maio do ano passado, em vez de fazerem um Podemos, invadiram em massa o partido e o reelegeram novamente líder. Corbyn não é, de facto, o líder do Partido Trabalhista que existia em 2015: não tem o apoio dos deputados então eleitos por nove milhões de votantes, nem sequer foi a escolha da maioria daqueles que já eram membros do partido em Maio do ano passado (63% preferiram Owen Smith). Corbyn é líder com os votos dos activistas de extrema-esquerda que entretanto ocuparam o partido. A sua intransigência radical serve-lhe para denunciar os opositores como “Tory lite” e expô-los à ameaça dos sicários.

Nos partidos de governo da Europa, era costume os líderes que perdiam a confiança dos eleitores ou dos seus pares retirarem-se. Nos partidos sociais-democratas, deixou de ser assim, porque é possível ao líder rejeitado sobreviver com o amparo de um radicalismo sectário que demoniza a “direita” e trata como “traidores” os que, à esquerda, não pensam dessa maneira.

Em Portugal, temos um precursor de Sánchez. Em 2015, António Costa foi recusado pelos eleitores. Por alguns instantes, na noite de 4 de Outubro, terá havido dúvidas no PS. Ao entregar-se ao PCP e ao BE, como Sánchez pensou fazer com o Podemos e a Esquerda Unida, Costa salvou-se. Não arranjou apenas uma maioria de derrotados para governar. Secou qualquer alternativa no partido, porque criticá-lo passou a ser fazer o jogo da “direita”, essa força maléfica que justifica o pacto do PS com partidos que negam os seus valores.

O verdadeiro problema da social-democracia e do socialismo democrático está nesta aparente vulnerabilidade dos seus partidos ao radicalismo. Este radicalismo não consiste tanto em políticas públicas, como numa mentalidade de guerra civil, em que o adversário é transformado num “inimigo” contra o qual vale tudo. No resultante molho turvo de tribalismo e intolerância, qualquer líder desesperado, aliando-se aos radicais, pode sequestrar um partido e asfixiar o debate. É assim que a Grã-Bretanha não tem oposição, a Espanha não tem governo, e Portugal tem um governo que aumenta a dívida e inventa impostos, à espera não se sabe de quê. A democracia representativa e a economia de mercado estão hoje em causa, à direita e à esquerda. A esquerda democrática precisa de se defender do radicalismo, se quiser ser relevante nesse debate, e não apenas o último refúgio de líderes falhados.

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