Há uns dias explanei o meu ponto de vista acerca da impossibilidade atual de constituição de um governo de “iniciativa presidencial”. Defendi a ideia de que hoje é impossível tentar um governo com sustentação parlamentar na maioria PS com PSD. Mas, como já escrevi em 2015, não posso deixar de concordar com o princípio de que haver um governo “ideal”, ao centro da Assembleia da República, deveria ser o caminho mais acertado para garantir a recuperação da economia e, paralelamente, do “Estado solidário”. O Dr. António Costa não quis esse caminho, a sua personalidade não o permitiria, o que, olhando para há cinco anos – parecem ter sido 100 – e apesar da “ilegitimidade” da solução em termos das expectativas dos votantes em 2015, criou um “novo precedente” de que qualquer solução numericamente maioritária pode e deve sustentar o Governo da nação. O Dr. António Costa acabou com as ambiguidades do semi-presidencialismo e afirmou o nosso regime como sendo uma democracia de base parlamentar, conceito que merece a concordância da minha visão anglicista, embora republicana, da democracia. Já aqui enumerei razões para ter preferido que o Professor Cavaco Silva tivesse mantido o XX Governo em gestão, em novembro de 2015, mas sou obrigado a reconhecer, quase seis anos passados, que o senhor Presidente da República em exercício e o Dr. Passos Coelho, embora por razões diferentes, acabaram por aceitar a solução política mais adequada à realidade constitucional ainda hoje vigente.

A situação que se verificará após a pandemia da Covid-19 será mais crítica, mesmo com apoios financeiros da UE, do que qualquer outra vivida até hoje, em especial por causa do agravamento das desigualdades de todo o tipo, com especial destaque para o acesso à educação, e pelas igualdades, niveladas em baixo, de estado de saúde e bem-estar geral. É um truísmo dizer que só com consensos, com racionalidade e muito bom senso será possível recuperar Portugal. Ora, os únicos consensos úteis poderão ser os que resultarem de uma larga maioria de apoios na sociedade e a melhor forma de aferir a existência desses apoios é a contagem de votos. PS e PSD somados representam cerca de 70% do eleitorado nacional. Mas PS e PSD somados não são a soma de partes necessariamente compatíveis ou até complementares. Há consensos reformistas, traduzidos em legislação, que, no atual quadro parlamentar, terão de surgir por força de entendimentos do PSD com o PS, o que é bem diferente de sentar a esquerda socialista com a direita social-democrata no mesmo Conselho de Ministros. Agora não é possível. Como não será possível ver o Parlamento aceitar um Governo de “independentes” propostos pelo senhor Presidente da República. E um Governo sem capacidade de fazer aprovar legislação na Assembleia não consegue governar com efetividade.

A ideia de que uma coligação central, com PS e PSD, seria um estímulo para o crescimento eleitoral dos extremos, nomeadamente BE e Chega! (doravante nomeado como C!) é logica, interessante e muito possivelmente verdadeira. Digamos que seria o acontecimento mais provável, antecipando o falhanço do Bloco Central. Esse falhanço surgiria por questões de incompatibilização de protagonismo pessoal, a causa mais frequente de desentendimentos em política, ou por manifesta incapacidade de prossecução de entendimentos no rumo político. Hoje, o PS é muito mais um partido fraturado e com pulsões radicais do que alguma vez o PSD foi com pulsões neoliberais. Deve acrescentar-se que, em especial para o PSD, a ideia de conluio antecipado com o PS o levará a perder os votos dos mais descontentes à direita e daqueles que, com alguma razão, pensarão que para votar na “situação” será mais útil votar no PS. Da possibilidade de antecipadamente prever um acordo ou coligação do PSD com o C!, ideia desastrosa para a afirmação de uma alternativa de direita moderada, tecerei algumas considerações mais à frente.

É certo que temos uma democracia jovem, nesta segunda tentativa republicana de conseguir uma democracia parlamentar, mas à esquerda e à direita já surgiram soluções que não seriam projetáveis há uns anos. O BE resultou da confluência dos comunistas que não queriam estar no PCP, alguns já organizados em vários partidos e grupúsculos conhecidos pelos “ismos” e siglas dos seus mentores ideológicos, com um êxito muitíssimo assinalável. Na direita, emergiu uma interjeição de descontentamento que era imprescindível existir a bem da clarificação, o C!, que assume o espaço mais extremo da direita nacionalista, e a Iniciativa Liberal (IL) que ainda terá de refinar o seu posicionamento, nas ideias e na praxis proposta, em especial no que ao modelo económico neoliberal diz respeito. A defesa da liberdade de escolha, por exemplo, não é um apanágio de liberais, pelo que dificilmente será uma bandeira política distintiva, tal como pugnar por um sistema de concorrência público-privado está muito longe de responder às carências de acesso à proteção da saúde em Portugal. O CDS-PP, partido de bons quadros e tradicionalmente mais sólido, está a desaparecer por mérito de quem lhe foi “comer” a direita e demérito de quem o tem dirigido depois da saída do Dr. Paulo Portas, o PP da sigla. É interessante verificar que na voragem da pandemia, confrontados com a falta de preparação, a que se seguiu a flagrante incompetência de responder à crise, a oposição não tenha sabido capaz de, consistentemente, apresentar caminhos alternativos consequentes.

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Esta menção ao Dr. Paulo Portas leva-me a estruturar o meu restante raciocínio em torno dos mais importantes vectores estruturais de um partido político e do seu sucesso eleitoral; as pessoas e as ideias. Acho que por esta ordem.

As pessoas são a política. São as pessoas quem define, expressa e interpreta ideias e são nessas pessoas que os eleitores votam. Tenho sido um fervoroso defensor da necessidade de ideias, de uma intelectualidade política que nos vai faltando, de soluções racionais. Mas também tenho reconhecido que mais importante do que ideias, quase sempre complexas para quem vai votar, é a forma como elas são apresentadas e quem as apresenta.

Neste campo, estamos pobres de políticos “atores”, “pedagogos”, “inspiradores”, vá lá, “carismáticos”. Esticando muito, pensando nos que estão na frente dos partidos com assento na Assembleia da República e com as qualificações enumeradas, nenhum reúne todos os requisitos atrás enumerados. Próximo da bitola exigível temos o Dr. Cotrim de Figueiredo, com postura de Estado e manifesta boa educação. Descendo a bitola e ficando por alguma qualidade expositiva e eloquência suficiente, temos o senhor Primeiro-Ministro que tem uma dicção miserável. Em termos de aproveitamento dos media há o Dr. Ventura, com a falta de polimento de que faz gala, e que a oposição e o Governo levam ao colo. E depois, há o resto… e o resto não parece capaz de mobilizar votantes para que se criem maiorias capazes de governar Portugal.

No que às ideias disser respeito, convirá registar que apenas uma minoria “esclarecida” estará atenta, interessada ou capaz de compreender as nuances macroeconómicas da dívida, PIB, carga fiscal, contabilidade pública ou nacional, mercado único, valor da moeda, etc. O que as pessoas querem saber é se o dinheiro chega até ao fim do mês, se as necessidades básicas estão asseguradas, que desejos podem ser comprados, como e onde vivem. Os impostos são quantias que o Governo nos tira e nos faz ficar mais pobres. E depois, os eleitores, porque têm pouco e mesmo que tivessem mais prefeririam não gastar e não concebem poupar, querem ter segurança, emprego, saúde e, porque já vão acreditando no valor intrínseco de um diploma, educação escolar para si e para os filhos. A ordem dos elementos elencados no último período não é aleatória e está sujeita a circunstancialismos. Diria, correndo o risco de me enganar, que as preocupações maiores atuais dos Portugueses, depois do bem-estar financeiro, serão trabalho e saúde, talvez com o medo de perder saúde um pouco mais acima das restantes.

Neste ponto de situação e depois de terem andado anos a ouvir falar de variáveis económicas, estudos, relatórios, tratados e condicionantes que não entendem, o eleitorado está maduro para seguir, encantado, os que lhes falarem de mais segurança – eliminando os papões dos “suspeitos do costume” -, orgulho nacional, emprego para Portugueses, saúde para todos (um chavão que era da esquerda), reposição dos costumes e valores tradicionais – a cuja perda se pode atribuir a degenerescência da alma Lusa – e de um passado histórico com glória e importância mundial – nunca foi assim tanta -, que educou a minha geração nas escolas. Digamos que era uma inevitabilidade depois de quase 50 anos de ditadura intelectual de esquerda, imposta por gente facciosa e ignorante, tanto ou mais deplorável do que aqueles que agora se vão posicionando no ponto mais demagógico da direita.

Agora que há um partido de direita nacionalista, a que podemos chamar de extrema-direita, configurando, finalmente, a composição quase completa dos posicionamentos políticos numa democracia avançada, as escolhas dos eleitores mais radicais e cansados com a vigência do regime têm onde depositar o voto. Esse partido, o C!, não tem mais nada do que um discurso demagógico e simples, muito eficaz, faltando-lhe, por enquanto, os quadros técnicos e políticos necessários para ser uma alternativa de governo. No fundo, para já, tem um líder tonitruante, embora orador medíocre, que diz umas coisas que vão tocando algumas verdades e os sentimentos de uma larga parte de descontentes, venham eles da direita ou até da extrema-esquerda. Não tem política económica ou social que se lhe conheça, mas já escrevi antes que essa circunstância não tem importância para a larga maioria de quem vota. Deve até dizer-se, que o discurso simples e “factual” do Dr. Ventura – o homem único do C! – poderá ter a virtude de chamar antigos abstencionistas, agora convencidos de que há alguém que os compreende.

E o que ainda é mais espantoso é a facilidade com que os adversários fazem mais pelo C! do que o C! faz por ele. Comecemos pela proposta de ilegalização do partido. Um disparate completo. Tão completo como teria sido a ilegalização do PCP que algumas vozes pediram após o 25 de novembro. Um disparate. Foi propaganda gratuita para o vitimado Dr. Ventura. Mas não pararam, nem pararão, aí. Um deputado do PS vem sugerir a demolição do monumento aos Descobrimentos e lamenta não ter havido mortes no 25 de abril. Não especificou de que lado. O Dr. Ba chamou fascistóide ao Dr. Nuno Melo, eurodeputado eleito pelo CDS, depois de uma longa série de impropérios racistas ao país que o acolheu1. A esquerda unida não consegue ver os méritos do falecido Tenente-Coronel Marcelino da Mata e chama-lhe, despudoradamente, “criminoso de guerra”2. Até há quem venha atacar o Prof. Caupers por ele ter escrito um texto que apenas diz o óbvio e que não é, sequer, homofóbico.  O Dr. Ventura está muito agradecido a todos. Ainda mais aos que repetem que com o C!, se alguma vez mudar, talvez seja possível haver entendimentos para formar governo. Vejamos se nos entendemos. O Chega, se mudar, não será o Chega. Logo, com o Chega não há como formar governo e quem votar no Chega precisa de saber que está a desperdiçar votos se tiver esperança de alguma vez ter um governo de direita alternativo ao PS sozinho ou com apoio do PCP e BE.

Quanto ao resto, em termos de ideias, anda tudo baço. Caterético, como o órgão, e sem brilho.

Ora, neste estado de coisas, com a direita em reconfiguração e mesmo sem eu estar tão certo da fugacidade do C!, convencido da “terminalidade” do CDS e seguro do crescimento paulatino, embora moderado, da IL, julgo que ao PSD – insistindo que nunca deveria ter deixado de ser PPD – restará uma adaptação ao figurino das escolhas eleitorais neste início do século XXI.

O “centro” não pode ser ocupado por dois partidos. Ou um dos dois que o disputa se chega para um dos lados, ou PS e PSD se fundem, uma impossibilidade que, de resto, ninguém desejaria a não ser os concorrentes. Não há, nem vai haver, uma reconfiguração com um só partido central e, por isso, reclamar que se é só e apenas do centro, tal como as coisas estão em Portugal, não se me afigura como caminho para recuperar a maioria parlamentar. É preciso que o PSD seja do centro e da direita. Para mim, “centrista” assumido, não há outra forma de afirmação política possível. BE e PCP ficam onde estão, o PAN marcha com eles enquanto o deixarem marchar, o PS é de esquerda e tentará governar como lhe for possível no quadro da UE  e sempre com as concessões necessárias à realidade em curso, uma espécie de meio termo que não é carne nem peixe, o PSD deve assumir-se como a alternativa à direita do PS, considerando, em teoria, associar-se à IL e ao que restar do CDS-PP, se ainda restar alguma coisa, e o Chega ficará com a posição que a restante direita lhe deixar. Cabe ao PSD trabalhar para ser o voto útil de todos os descontentes com a governação falhada desde finais de 2015.

Há uma oportunidade de clarificação que o PSD tem de aproveitar. O PS é manifestamente um partido que tolera a extrema-esquerda, tem gente que acredita nas nacionalizações de massas falidas como a da TAP, nada faz para manter o SNS que arrogantemente dizem ter criado, acredita no desmantelamento de monumentos e jardins, envergonha-se da História. Ao PSD interessa ser de direita moderada, direita social como lhe chamou o Prof. Marcelo num momento de inspiração. Seja de centro-direita, se preferir a denominação. Pode e deve acolher liberais, mas não deve ser liberal. Deve acolher os democratas-cristãos que decidirem sair do CDS, se ainda forem a tempo, com a mesma naturalidade com que deve aceitar lutar por algumas das causas que agora parece que só são do C!.

Sejamos claros, o Chega usurpou terrenos que o PSD abandonou. Têm de ser reconquistados e isso nunca se fará pelo reconhecimento de que não há outra hipótese que não seja pedir licença para voltar ao espaço político não socialista a que o PSD pertence. Ideias simples que as pessoas percebem. Justiça que funcione e seja célere e justa – nem sempre é – antes da inevitabilidade de rever o sistema penal. Concordo que há penas demasiado leves neste país, mas para que servirá aumentar a duração das penas se os julgamentos nem acontecem ou os criminosos não são apanhados? Repúdio absoluto pela pena de morte e por formas desumanas de punir, garantia de segurança a todos os cidadãos e valorização de quem nos protege e defende. Saúde que possa chegar a todos, no momento certo e com a qualidade esperada. Educação que cumpra a função de iluminar e projetar para mais alto, que seja um elevador social funcionante. Orgulho no passado e esperança fundada no futuro. Garantia de solidariedade efetiva do Estado para com todos os cidadãos, respondendo ao problema do envelhecimento demográfico. Acolhimento de migrantes que tanta falta nos fazem. Repúdio pelos atentados aos costumes e aos valores morais em que Portugal se fundou e expandiu. Aplicação do mérito como critério. Tudo isto pode ser atingido com um Governo de centro-direita, alternativo à esquerda radical para onde o PS está a ir e sem anunciar qualquer tipo de possibilidade de associação ao C!. Basta que o PSD reencontre os seus valores e seja capaz de exibir uma liderança convincente. Afinal, são as pessoas que fazem a política e que ganham os votos.

(1) O que não justifica a tontice de propor a expulsão e retirada da nacionalidade ao Dr. Ba por crime de opinião, figura que não pode existir numa democracia. O homem é ingrato, racista, sem educação, desconsidera o país em que vive e ataca as forças de segurança que também o têm protegido, mas enquanto não cometer um crime que acarrete expulsão temos que o tolerar. O intolerante é ele.

(2) Confesso não conhecer os feitos do nosso Tenente-Coronel, nem sei se cumpriram os ditames dos horrores das leis da guerra. Sem esquecer os massacres cometidos pelas forças do eixo na Segunda Guerra Mundial e o genocídio de povos, seja de judeus, polacos, cossacos ou chineses, a verdade é que a destruição de Monte Cassino e Dresden foram crimes de guerra, tal como foram crimes de guerra as execuções em Katyn e o uso de agente laranja nas florestas do Sudeste Asiático ou a morte infligida a prisioneiros americanos no Vietname, afogados nas fezes da sua disenteria. E as bombas em Hiroshima e Nagasaki foram crimes contra toda a humanidade. Guerras justas? Talvez, no casus belli. No fim, todas as guerras são sórdidas.