Buscava eu informação para fundamentar de forma inatacável – como é meu hábito, de resto – esta crónica, quando me deparo com a seguinte notícia: “Fenómeno raro em Beja: temperatura subiu mais de dez graus em cinco minutos.” Dez graus em cinco minutos! Mais precisamente, Beja registou um aumento de 10,5 graus entre as 4h40 e as 4h45 do dia 21 de Maio, devido a um fenómeno raro designado “heatburst”, causado por “uma massa de ar quente e seco proveniente do norte de África e com poeiras em suspensão”. Incrível. É um fenómeno raríssimo, com entrada directa para o segundo lugar no ranking dos fenómenos mais raros de Beja. Apenas suplantando pelo fenómeno inaudito do aterrar de uma aeronave no aeroporto daquela cidade.
A propósito de fenómenos e de aeroportos no zénite do ranking dos piores do mundo, no de Lisboa repetiu-se um costumeiro episódio. E não, desta feita o problema não foi com os slots que a TAP possui e não gasta. Foi outro o problema que, ainda assim, também teve que ver com falta de movimento onde devia imperar a dinâmica. Agora foi um plenário dos trabalhadores do SEF que deixou os passageiros oriundos de fora da Europa à espera para entrar em Portugal escassas cinco horas.
Sobre este plenário, disse o Ministro da Administração Interna: “o direito à realização dos plenários é um direito inalienável”. Ora aí está. Pois se o direito à greve é inalienável, é evidente que o direito a realizar plenários para decidir futuras greves tem, por maioria de razão, de ser inalienável. Mais. Se o direito de realizar plenários para decidir futuras greves é inalienável, o direito de levar a cabo conversas informais para realizar futuros plenários que decidirão futuras greves é igualmente inalienável. Aliás, se o direito de levar a cabo conversas informais para realizar futuros plenários que decidirão futuras greves é inalienável, o direito de efectuar reflexões pessoais para levar a cabo futuras conversas informais para realizar futuros plenários que decidirão futuras greves é obviamente inalienável. E por aí fora, até à vitória final da classe trabalhadora. Ou até ao Big Bang. O que acontecer primeiro.
Mas atenção. Vejo por aí muito a tendência para se considerar que deixar turistas cinco horas à espera para entrar em Portugal é mau. Quando não é tal. Não só não é mau, como é estupenda estratégia de marketing. Imaginem o seguinte lema promocional para turistas americanos, por exemplo (Turismo de Portugal, uma borla):
Portugal: não é as Maldivas, mas pelo tempo que demora a cá chegar parece mesmo.
Ou então este (Turismo de Portugal, hoje saiu-vos a sorte grande):
Portugal: temos água a menos 20 graus que as Seychelles, mas depois de ficar a ferver com a espera no aeroporto vai saber-lhe tão bem um banho fresquinho.
Ou mesmo este outro (Turismo de Portugal, tenham paciência, mas a partir de agora já cobro):
Portugal: entrar é complicado, mas sair é tão óbvio. Os 70 mil que emigraram em 2020 que o digam.
A propósito de gente presa no aeroporto, quem foi detido no aeroporto de Lisboa foi Jonas, o ex-artilheiro do Benfica. Parece que o brasileiro é suspeito num alegado esquema de fuga ao fisco. Por acaso não sei é se o Jonas terá sido um dos passageiros não-europeus retidos no aeroporto da Portela durante as tais cinco horas. Mas se foi é desde já o indivíduo suspeito de fuga aos impostos que mais tempo ficou preso no nosso país.
Enfim, toda esta salganhada aeroportuária acabou por ser bastante benéfica para a Direcção-Geral da Saúde. Porque se havia dúvidas sobre como é que a varíola dos macacos chegou tão depressa a Portugal, pelo menos já sabemos que de avião, via aeroporto da Portela, não foi de certeza.
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