Há uns tempos, muitos católicos indignaram-se porque inúmeros meios de comunicação publicaram notícias nas quais afirmavam que o Papa teria dito que era melhor ser ateu do que católico hipócrita. Há que conceder que têm razão, pois ele não disse bem isto, mas que compreendia que as pessoas o dissessem. Como sabemos, um headline de uma notícia é muito poderoso, pois, na voragem de publicações das redes sociais que passam no veloz scroll dos dispositivos dos internautas, a maioria é capaz de não clicar no anúncio para ler a peça completa e espalham-se, assim, boatos ou mais “fake news”.

Contudo, como referi, o Papa Francisco afirmou que compreende que se digam estas coisas. E eu pergunto: é muito diferente de o dizer? O Pe. Gonçalo Portocarrero escreveu um artigo sobre este tema, no Observador, com o qual concordo quase em absoluto, excetuando nalguns pontos que considero chave para achar que o que o Papa disse não é muito diferente do que os media escreveram.

O Pe. Portocarrero afirmou neste artigo que era mesmo melhor ser “mau católico do que ateu”. Em primeiro lugar, há que dizer que o Papa não usou o termo “mau”, mas “hipócrita”. Em segundo, se o Papa tivesse dito o que os media veicularam, não seria teológica nem biblicamente errado. Porquê? Porque a Bíblia, a doutrina e a tradição assim o comprovam. Senão, vejamos:

1. “Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente; quem dera foras frio ou quente! Assim, porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca” (Ap. 3, 15-16). Isto é muito forte! O que Jesus diz é que é melhor estar fora do que estar dentro e não estar. Um tíbio, um morno, o que está a meias, o que é isto senão um hipócrita? Alguém que, porventura até já acreditou e professou, mas o seu ser, corpo e alma, tem esta última fora de onde está. Na verdade, os hipócritas encontram-se em todos os cantos do mundo, não apenas na Igreja e podem existir também ateus hipócritas! A Bíblia é impiedosa com os hipócritas. No fundo, aqueles que dizem para fazer, mas não fazem, aqueles que cuidam da aparência, mas o “interior está cheio de rapina” (Mt. 23).

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2. Depois, há que definir “mau católico”. O que quer dizer o Pe. Portocarrero com esta definição? Alguém que, sendo cristão, também erra como qualquer homem, mas luta para mudar? Sendo assim, não é um mau católico. Antes pelo contrário, mas alguém que, mesmo com fraquezas, não desiste e com o auxílio da graça, consegue transformar-se. Outro caso é o que o Papa refere, ou seja, os “católicos hipócritas” e exortou os fiéis “a tomarem uma decisão”, não apenas boas intenções, mas ações de mudança desta atitude. Com certeza que não os vê como pessoas que foram uma ou duas vezes hipócritas, mas alguém que tem esta atitude ou este “caráter” que implica uma repetição permanente de atos, sem vontade de melhoria. Por isso, das duas uma: ou o Pe. Portocarrero quis dizer que “mau católico” é um pecador que não desiste e, então, assim não é mau, ou quis dizer que é um católico com atitude corrupta e, assim, sim, é um mau católico e mais vale não estar pois faz mal a ele próprio, aos outros e à Igreja.

3. O Pe. Portocarrero afirmou que o Papa ter-se-á referido a “exceções” de “bons ateus e maus católicos”. Também é uma interpretação sua. Além disso, o Pe. do Opus Dei, com quem, aliás, já me confessei e sou fã das suas crónicas semanais, referiu que “A regra é que os católicos sejam bons”. Não consigo acreditar nisto. A Reforma protestante aconteceu precisamente porque o clero católico, em grande parte, estava corrupto, isto não isenta obviamente Lutero de ter saído da comunhão católica, mas é um bom exemplo de que, infelizmente, a Igreja já andou em épocas menos boas em termos de fervor. Podemos lembrar outros, esses, sim, grandes reformadores como São Bento, São Francisco de Assis, Santa Teresa de Ávila, Santo Inácio ou São Josemaría, muitos deles com grandes resistências por parte da Igreja institucional!

4. A própria Igreja afirma que uma pessoa não católica mas que siga os ditames da sua consciência com uma procura sincera pela verdade, está também entre os escolhidos: “O não-cristão não pode ser responsabilizado por sua ignorância de Cristo e de sua Igreja, a salvação é aberta também a ele, se ele procura sinceramente a Deus e se segue os comandos da sua consciência, pois através deste meio o Espírito Santo atua sobre todos os homens, a ação divina não está confinada dentro das fronteiras limitadas da Igreja visível” (Lumen Gentium, cap. 1, Secção 14-16). É como dizia o teólogo Thomas Halik, não se pode medir o número de católicos pelas estatísticas, mas há os que “habitam e os que procuram”. Por isso, há os que são católicos “nominais” e aqueles que procuram o bem e a verdade de coração puro. São estes últimos os escolhidos e não apenas os que têm algo na cédula de batismo. Há de concordar que muitos ateus e pessoas fora da Igreja assim o são por variadíssimas razões não voluntárias, tais como maus exemplos da Igreja, não tiveram educação cristã ou não receberam o dom da fé por motivos que nos escapam.

5. Em suma, o que o Papa pretendia dizer é, a meu ver, o mesmo que afirmou Bento XVI, quando veio a Portugal em 2010 e mantém-se atual, “os sofrimentos da Igreja vêm justamente do interior da Igreja, do pecado que existe na Igreja”. Se a corrupção vem da Cúria, como já afirmou o Papa Francisco, sem medo! A Igreja só conseguirá crescer e ser exemplo para todos se ela própria se converter e deixar converter. Como dizia Chesterton, “Qual o mal do mundo? Eu!”. Só com este “locus de controle interno”, como dizem os psicólogos, esta responsabilização, podemos arrogar-nos líderes de muitos. Lembra-me, para acabar, o filme de Spike Lee, “25a hora”, um filme muito Dostoievskiano. Um dos protagonistas fez algo de que não se orgulha e até se arrepende, mas considera que, sem pagar por isso, a falta não fica reparada, para ele e para os outros, por isso decide entregar-se. Não existe redenção sem expiação.

Co-fundador do site datescatolicos.org, gestor