A corrupção dos governantes quase sempre começa com a corrupção dos seus princípios.” É deste modo que se acredita que Montesquieu (1689-1755), conhecido político, filósofo e escritor francês, se tenha referido a um dos problemas que acompanha a Humanidade quase desde os seus primórdios: a falta de uma cultura de integridade.

Se pensarmos na prepotência de D. Leonor Teles no século XIV, no desejo cego de poder de D. Carlota Joaquina e de D. Miguel no século XIX e nos inúmeros escândalos de corrupção que fizeram com que Portugal, no último ano, subisse apenas um ponto (de 61 para 62, num total de 100 pontos) no Índice de Perceção da Corrupção elaborado pela Transparency International, rapidamente percebemos que é antiga a tendência do ser humano em privilegiar o egoísmo e a desonestidade, renegando para segundo plano o que é correto e justo. E por mais Estratégias Nacionais Contra a Corrupção que surjam, por mais escrutínio mediático que se faça, por mais que se debata a corrupção no espaço público, a verdade é que precisamos de a desconstruir no local onde a cidadania começa: na Escola.

Gosto muito de provérbios populares – e quando penso em corrupção, há um que me surge de forma quase imediata: “não se constrói uma casa pelo telhado”. A corrupção instituiu-se na sociedade portuguesa como uma normalidade. O “favorzinho”, a “cunha” e o conformismo que cresce em nós, legislatura após legislatura, impedem-nos de lutar ativamente contra a corrupção – preferimos reduzir-nos a comentários desdenhosos, como “São todos uma cambada de corruptos”.

Não faço parte, porém, daqueles que acham impossível quebrar o imobilismo da população em relação à Corrupção. Acredito, sim, que este processo é mais fácil se o desenvolvermos a partir da Escola – e se olharmos para as gerações mais novas como uma força motriz capaz de contagiar todos à sua volta, desde pais a professores e dirigentes educativos.

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Foi munida deste espírito que a associação apartidária All4Integrity lançou, em julho de 2021, a RedEscolas AntiCorrupção. A começar agora a sua 2.ª edição – depois de um primeiro ano que contou com a participação de quase 1400 alunos, de entre as 17 escolas aderentes, de Norte a Sul do País e até do Funchal e de Macau –, este programa quer abordar o tema da (anti)corrupção de forma interdisciplinar e flexível, entrando pela escola recheado de sugestões de atividades e nunca de imposições.

A primeira etapa, “Missão #1 – Conhecer para prevenir”, passa por apresentar o programa dentro da comunidade educativa – e dissipar o medo de falar da “corrupção” em contexto escolar, mostrando como se pode trabalhar o tema com um foco cívico que vai para lá dos escândalos mediáticos. Já na “Missão #2 – D’Olho na Corrupção”, o que se pretende é que os alunos se inteirem dos números e consequências da corrupção, tratando de conceitos como “índice de transparência”, “porta giratória” e “nepotismo”. De forma simbólica, o final desta etapa ocorre com a apresentação pública dos trabalhos à comunidade educativa, a 9 de dezembro, Dia Internacional Contra a Corrupção.

A última fase, “Missão #3 – Cidadão em Ação: Por uma Cultura de Integridade”, quer colocar os alunos em interação com o poder local e central a partir do tema da (anti)corrupção. Seja através de entrevistas, visitas de estudo ou palestras, a ideia aqui é que a comunidade educativa compreenda como a zona onde vive, estuda ou trabalha é afetada pela corrupção e através de que medidas está – ou não – a fazer-lhe frente.

A luta por uma cultura de integridade está para além da ansiedade dos exames nacionais, da pressão anual dos rankings e das sucessivas alterações aos currículos escolares. É a grande oportunidade para transformarmos a fundo as nossas instituições democráticas – e para afastarmos de vez a ideia de que a corrupção em Portugal é um mal incorrigível. É como se diz em mais um provérbio: “mais vale tarde do que nunca” – e nunca é tarde para contagiar toda uma sociedade através do espírito dos mais novos.

Diretor do programa RedEscolas AntiCorrupção, da All4Integrity

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.