Peço já desculpa ao leitor que procurar um texto sobre prostituição ou, no mínimo, sobre a recente decisão de incluir a prostituição nas contas nacionais. Não, este texto é sobre o santo e piedoso assunto da natalidade. Ou, melhor, sobre a comissão que prepara propostas para que o estado promova o aumento da natalidade, a pedido do PSD. Pensei esperar pelos resultados da comissão. Mas decidi adiantar-me: a própria comissão é já um assunto comentável e tenho uma ou duas sugestões a fazer – que não levo a mal se aproveitarem.

De facto, Joaquim Azevedo, o presidente da comissão, tem-se pronunciado em dois sentidos. Nenhum deles, para não vos desperdiçar o suspense, tem sido o de dar exemplos concretos de propostas. Num, emite vacuidades de tal dimensão que nos questionamos como tal talento – só equiparável ao de Manuel Alegre – ainda não foi recrutado para a política nacional. Assim, tivemos pérolas do calibre ‘Portugal também precisa de renascer’.

Mas se à vacuidade já estamos habituados, o outro rumo das palavras com que Azevedo nos tem agraciado merece maior atenção. É que há um culpado da falta de bebés no país. Não, não são os governos que desde o aumento ‘temporário’ do IVA de Manuela Ferreira Leite não pararam ainda com a sangria fiscal ao país. Não é a troika, nem os credores internacionais. Nem a falta de partilha das tarefas parentais. São, evidentemente, as empresas.

As tais empresas que, como disse Azevedo e noticiou o Observador, obrigam trabalhadoras a declarar que não irão engravidar. E que, convenientemente, Azevedo não nomeou, nem explicou em que setor tal se passa, nada, deixou a acusação a pairar em cima de todas as empresas e empresários. Também não explicou para que pediriam as empresas essas declarações, que não têm qualquer valor legal nem permitem fundamentação para eventual despedimento e, se uma empresa as exibisse, teria de seguida uma fiscalização da ACT e, em tribunal, indemnização pesada a pagar à trabalhadora.

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Talvez – desconfia o leitor atento – haja pouco conhecimento da realidade. Na mesma notícia podemos ler também que ‘Temos muitas empresas em Portugal que despedem as mulheres quando elas engravidam’. Fui à procura de números, e estes são fáceis porque qualquer despedimento de uma grávida é sujeito a parecer favorável do CITE. Ora (segundo o Notícias ao Minuto e o Público) em 2012, o CITE permitiu o despedimento de 105 grávidas ou puérperas, em 2011 cerca de metade e, em 2010, 29. Pois.

Bom, mas não custa acreditar que as mulheres grávidas e com filhos pequenos tenham maiores dificuldades no emprego. Afinal ter filhos pequenos é cansativo, quando são mesmo pequenos dormimos mal uns bons pares de noites e o cansaço não é amigo da produtividade. Temos restrições de horas: ir buscar os filhos à creche, à escola, aos avós, pelo que trabalhos com horários mais alargados (mesmo com a compensação financeira) são evitados. Os miúdos ficam doentes, precisam de ir ao médico e lá acabamos por faltar mais.

Ora sendo as empresas este grupo malévolo que atormenta as famílias portuguesas, certamente que Azevedo convidou para a sua comissão vários empresários e contactou as associações patronais para saber que constrangimentos as empresas vivem perante uma trabalhadora com filhos pequenos, não vos parece? Parece mal. Na comissão há 1 empresário e ficámos por aí. Não é por acaso que o que se tem dito – redução de horário para as mães, teletrabalho, trabalho a tempo parcial – já está, em algum nível, contemplado na legislação atual e, se alargado, só aumenta a dificuldade das mães de filhos pequenos em serem contratadas, promovidas, aumentadas.

Quem, dando uso aos neurónios, supõe que num país onde o ordenado líquido médio é inferior a 1000€ uma boa proposta para aumentar a natalidade é dar às mães a possibilidade de trabalhar a tempo parcial ou com redução de horário, passando a receber uns estonteantes 500€? Não se vê logo que uma PME – e as PME são o maior empregador nacional – fabril, onde a produção é feita nos equipamentos da empresa, está inteiramente disponível para que uma mãe comece a trabalhar em casa? Ou uma trabalhadora que lide com informações confidenciais que não possam sair da empresa?

Quem não quiser criar um mundo novo utópico (sempre deu mau resultado) mas melhorar o existente, pode propor, por exemplo, que as duas horas de amamentação até ao ano de idade do bebé sejam pagas pelo Estado e não pela empresa. Que é mais fácil substituir a tempo inteiro por um período de tempo limitado do que substituir alguém três horas cada dia durante quatro anos, pelo que as mães e as empresas ganhariam com licenças parentais mais alargadas. Que uma mãe tem constrangimentos que não vale a pena negar e se o Estado lhes quer dar uma vantagem, então que bonifique a TSU (a cargo das empresas) das mães com filhos até 5 anos. O caminho é facilitar a vida às empresas, não pode ser tornar a legislação laboral ainda mais claustrofóbica. Mas se quiserem tornar a contratação de qualquer mulher em idade fértil no último recurso de uma empresa, avante.

Terminando, para não vos maçar mais, peço que ninguém, por favor, refira aos membros da comissão o programa experimental britânico que entendeu subornar (a expressão é dos jornais ingleses) as mães com 200£ mensais se amamentassem 6 meses. Promover a amamentação é um bom fim, mas pôr dinheiro num momento íntimo de uma mãe com um filho não se recomenda. Promover a natalidade também é fulcral para o país. Com a vontade demonstrada de construção de uma nova ordem social, políticas para ‘abrir horizontes de esperança’ e outras coisas que não lembram a gente sensata, corremos o grave risco de a comissão ver como bom subornar casais para terem sexo sem contraceção.