Diz-se que as galinhas têm uma memória de apenas alguns segundos e que os peixes fixam informação durante ainda menos tempo. Uma das coisas que a publicação do PISA 2018 (que analisei aqui em maior detalhe) prova é que, se o debate público fosse passível de igual medição, os resultados ficariam acima – mas não por muito. Afinal, discutem-se os temas de sempre, da mesma forma e denunciando os mesmos problemas – sucessivamente, de semestre em semestre, como se a cada vez os diagnósticos tivessem sido revelados ontem. Mais do que esta incessante repetição ser representativa de um debate público inconsistente e superficial, ela é sobretudo a demonstração involuntária da falência das políticas públicas: a realidade está cristalizada e os maiores desafios, mesmo que repetidamente diagnosticados, permanecem por resolver.

Estou certo de que isto acontece em todas as áreas. Mas, na Educação, é grosseiro e explícito. Por exemplo, por ano, “descobre-se” 3 ou 4 vezes que há um inquietante envelhecimento dos professores nos quadros do Ministério. E, no entanto, para a pergunta que interessa, ninguém sabe a resposta: o que está a ser feito pelo Ministério para atenuar os efeitos desse envelhecimento (que, como se sabe, vem acompanhado de desgaste profissional e emocional) e preparar o futuro, tendo em conta a necessidade de recrutar novos quadros nestes próximos 10-15 anos?

Ontem, com a publicação do PISA 2018, reapareceu um outro tema habitual: o efeito das desigualdades sociais no sucesso escolar dos alunos. Ou seja, os resultados desta avaliação internacional assinalam uma diferença significativa nos desempenhos entre os alunos socialmente favorecidos e os alunos socialmente desfavorecidos, mostrando que o impacto dessas diferenças sociais na aprendizagem não está a ser devidamente anulado pelas escolas. O gap que separa estes alunos, no PISA 2018, é de 95 pontos de desempenho, o que corresponde a um valor elevado. Não houve notícia, análise ou intervenção política que logo não o tivesse assinalado como motivo de preocupação. Mas, mais uma vez, em vez de nos restringirmos a lamentos, fica a pergunta por responder: o que tem sido feito para lidar com isto?

Obviamente, não o suficiente. Sim, estes dados são preocupantes, mas é muitíssimo mais perturbante verificar que, desde 2000, o mesmo alerta tem vindo a ser lançado sobre o sistema educativo português e que as políticas públicas de sucessivos governos foram incapazes de enfrentar devidamente este desafio e de o elevar a primeira prioridade. Em 2018, estamos pior do que em 2015 (o gap entre os alunos favorecidos e desfavorecidos aumentou de 87 pontos para 95 pontos) e a braços com um problema que, 18 anos depois e governo após governo, ninguém acredita que esteja verdadeiramente a ser enfrentado. Ou vá, sequer, ser enfrentado: num contexto em que a contenção orçamental está a sufocar as escolas, não há razões para optimismo.

Quando o debate político se entrincheirar à volta do PISA 2018, pense-se nisto, pois esta é a leitura política que importa sobre os resultados: na dimensão social, que é tão determinante para a probabilidade de sucesso escolar, o sistema educativo português está a falhar. É inútil alimentar visões partidárias de passa-culpas sobre este facto, nomeadamente se a “responsabilidade” ou a “paternidade” dos resultados desta última edição do PISA são de Nuno Crato ou de Tiago Brandão Rodrigues – nenhum deles é o único “responsável”. Sobretudo, é quem hoje se senta na cadeira de ministro que tem a responsabilidade de reagir a estes resultados. Fá-lo-á?

A partir de hoje, a questão coloca-se em termos relativamente simples: se se quiser melhorar os desempenhos dos nossos alunos, está na hora de apostar realmente nos alunos desfavorecidos. Não, já não chega proferir discursos pomposos e lançar promessas que ficam por cumprir. É para se apostar a sério, metendo o dinheiro onde se tem a boca: investir na educação (em vez de insuflar o orçamento com reposições salariais), atribuindo às escolas os recursos de que estas necessitam e tanto pedem para concretizar a igualdade de oportunidades – mais recursos humanos para apoio individualizado aos alunos que precisam e mais recursos materiais para dar às escolas formas de diversificarem as suas abordagens pedagógicas. E construir mecanismos de avaliação externa que permitam diagnosticar problemas e monitorizar a evolução dos alunos com regularidade. Tudo o resto será mais do mesmo. E, está claro, mais do mesmo já não chega.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR