Recentemente, e a propósito de um caso triste e lamentável de um lar de pessoas idosas atingido pela pandemia, veio à baila a falta de fiscalização eficaz desse tipo de instituições. A questão é muito importante e pode ser alargada a outras áreas que hoje são objeto de regulação para proteger interesses relevantes e diversos.
Em geral, somos muito mais eficazes a regular, que é mais fácil, do que a fiscalizar, que é mais exigente. Isso cria distância entre o que se chama o “law in books” e o “law in action”. Não é um exclusivo português: vejo isso também no Parlamento Europeu e tenho alertado publicamente para esse problema, especificamente no campo dos direitos dos consumidores e das políticas digitais.
É quase como se nos bastássemos com a produção de uma lei eventualmente bem feita, ou com a atribuição de uma licença, com um procedimento administrativo, por vezes, moroso e burocrático, sem depois cuidar dos resultados: saber se a lei foi realmente cumprida e os objetivos foram atingidos, ou se o que foi licenciado é mesmo o que está instalado.
Recordo, a este propósito, o diploma do Licenciamento Zero e o caso das esplanadas, que foi aprovado em 2011. Os seus eixos principais eram a existência de regras claras sobre o que era possível fazer e depois a abertura muito fácil e rápida da esplanada com base na responsabilização do empresário. A isso seguia-se uma fiscalização eficaz com sanções agravadas para quem não cumprisse. Foram muitas as dificuldades para convencer os autarcas da bondade do modelo, mas a persistência compensou. Basicamente, o principal argumento foi o de que não valia a pena ser complicado no processo de licenciamento, se depois ninguém vai fiscalizar o resultado, e, também, que é importante distinguir atividades de baixo risco com as de risco elevado, reservando os recursos de controlo ex ante para estas. Lembro-me de, no decorrer da discussão do diploma, ter ido com um arquiteto da Câmara Municipal de Lisboa dar uma volta num bairro da cidade, munida de uma longa fita métrica, para lhe mostrar que o que a Câmara tinha licenciado não era o que lá estava instalado e assim o convencer que não ficaríamos nunca pior do que estávamos se o regime fosse simplificado.
Antes do Licenciamento Zero, chegavam a ser pedidas sete licenças para abrir uma simples esplanada: para as mesas, toldo, máquina de gelados, suporte do menu e, talvez, para uma abelha Maia para entreter as crianças. Tudo devidamente munido de bastante documentação, naturalmente repetida para cada pedido.
A cultura burocrática satisfaz-se, em geral, com muitas leis e procedimentos administrativos complexos. É essa cultura que é preciso continuar a alterar. Muito papel, mesmo que eletrónico, não significa um país mais seguro para as pessoas, mais amigo do ambiente e mais organizado. Mais responsabilização e ulterior fiscalização, seguida de sanções para quem não cumpre, pode conduzir a um melhor resultado.
Há hoje métodos eficazes de fiscalizar, usando análise de dados, definindo perfis de risco, técnicas de geolocalização e inteligência artificial, sem dispensar o trabalho no terreno. Seria igualmente aconselhável, que quem aprova as leis se importasse mais em saber os resultados, seja o Parlamento ou as instituições europeias (ainda mais distantes deles), pedindo relatórios de avaliação ex post e chamando a Administração com frequência para conhecer as dificuldades.
Uma cultura com muitas regras, mesmo quando elas são necessárias, mas com grande impunidade no seu cumprimento, penaliza quem cumpre e sobretudo mina a cidadania e a democracia.