Não é estranho ver que o Presidente do mais forte país do mundo se encontra mais frequentemente e aperta a mão a um ditadorzinho do que com o dirigente da única potência que pode competir com ele no que respeita ao poderio militar?

O ditador norte-coreano Kim Jong-un realiza uns testes nucleares, lança uns foguetões e o Presidente norte-americano, Donald Trump, coloca-o no centro da sua política externa e legitima o regime carniceiro da Coreia do Norte.

O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, passa a vida a fazer publicidade aos seus mísseis “invisíveis”, “incomparáveis”, aos seus tanques “inultrapassáveis”, mas não consegue mais que uma troca de palavras com o seu homólogo norte-americano em cimeiras bilaterais. Apresentadores de telejornais de canais de televisão controlados pelo Kremlin ameaçam arrasar a América em alguns minutos com mísseis nucleares, mas também sem resultados visíveis no que respeita a cimeiras bilaterais.

Este desprezo da Casa Branca face à política externa russa só pode ter três explicações: ou Washington decidiu riscar a Rússia da lista das suas prioridades no campo internacional; ou existiram realmente manobras ilegais de Donald Trump com o Kremlin com vista à sua eleição para o cargo de Presidente dos Estados Unidos; ou então a Casa Branca não tem qualquer plano organizado no campo internacional.

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A julgar pelo comportamento deste último e pelas revelações comprometedoras publicadas quase diariamente na imprensa norte-americana, o “dossier russo” está a envenenar cada vez mais a vida e a actividade de Trump, podendo isso explicar o facto de ele não se querer comprometer ainda mais fazendo uma aproximação a Putin.

Mas se Washington decidiu riscar a Rússia dos jogadores essenciais da política externa, estamos perante um grave erro de cálculo. A crise na Venezuela é um exemplo claro disso.

A política dos Estados Unidos e da União Europeia face essa crise é mais do que duvidosa. Antes de se fazer uma ameaça de intervenção militar num país é preciso pensar bem no realismo e nas consequências disso. Onde está a intervenção militar? Ainda bem que os estrategas deram conta que o fogo não se apaga com gasolina.

É também polémica a autoproclamação de Juan Guaidó Presidente interino da Venezuela. Não há dúvidas que o regime de Nicolas Maduro é execrável, assassino, mas o passo dado por um dos líderes da oposição parece ter sido precipitado. Se o cálculo era trazer para seu lado as Forças Armadas, ele falhou redondamente.

Não há dúvida que a solução da crise na Venezuela passa pela posição das Forças Armadas. Em situações semelhantes, como, por exemplo, aquando do derrube do Presidente Ianukovitch em 2014, as tropas mantiveram-se neutras no confronto entre a oposição e o poder corrupto, coisa que não acontece com os militares venezuelanos, comprados a preço de ouro pelo regime de Maduro.

Além de mais, o ditador venezuelano não só tem o apoio de regimes como os de Nicarágua ou Cuba, mas também da Rússia e, atenção, da China!

Neste sentido, este conflito tem pormenores novos muito importantes. A Rússia pode não ter recursos suficientes para impor as suas posições num país vizinho dos Estados Unidos, mas passa a tê-los juntamente com a China. Tanto mais que Maduro paga com petróleo e ouro.

(Isto faz lembrar o apoio da União Soviética estalinista aos republicanos espanhóis durante a Guerra Civil de 1936-1939, quando a troco da “ajuda desinteressada” Moscovo ficou com parte do ouro do Banco Nacional de Espanha. Mas, verdade seja dita, Putin já reconheceu que o seu país deixou de praticar obras de caridade).

Resta saber se o apoio económico e político destes países a Maduro será suficiente para arrancar a Venezuela da crise económica. O Governo russo anunciou ter elaborado uma série de medidas para a recuperação da economia venezuelana, mas se tiverem tanto êxito como as “receitas caseiras” o povo venezuelano ainda irá sofrer muito.

Seja como for, a geopolítica não passou à história, nem esta terminou. A luta por zonas de influência continua e, já que acima citei a Ucrânia, recordo que no dia 31 de Março, se realizam aí eleições presidenciais.