Portugal arde outra vez. E, cerca de 4 meses após as primeiras chamas em Pedrógão Grande, arde igual. Assiste-se à mesma impreparação operacional, ao mesmo descontrolo, aos mesmos lamentos, às mesmas caras, ao mesmo desespero das populações, às mesmas desculpas políticas. Tudo na mesma. E não tinha de ser assim: os erros fatais nos incêndios do Verão foram há muito identificados e, em termos operacionais, só não se promoveram mudanças por opção. Por opção política, entenda-se.

A questão política está, aliás, bem explícita no relatório independente sobre o incêndio em Pedrógão Grande (que, num acto esclarecedor, António Costa apresentou sem ter lido). Relata o caos operacional que se viveu no terreno. Critica o amadorismo com que a Protecção Civil (invadida de incompetentes com cartão partidário) geriu os acontecimentos, prejudicando a segurança das populações. Sugere que vidas poderiam ter sido poupadas se decisões mais rápidas e acertadas tivessem sido tomadas. Denuncia o exibicionismo político que, no local, atrapalhou mais do que ajudou. Comprova a falha do SIRESP. Descreve a manipulação dos registos da linha temporal dos factos – feita, naturalmente, por alguém com poder para a alterar. E explica que, quando foram necessários, meios aéreos ficaram no chão por picuinhices – um helicóptero não foi utilizado porque estava a 42 km do incêndio, visto que os regulamentos estipulam 40 km como distância máxima autorizada.

O relato de incompetências é demolidor. De-mo-li-dor. Mas, pelos vistos, não o suficiente para provocar consequências políticas ou inflamar a opinião pública. Porquê? Uma resposta possível é porque o PS conseguiu encaixar a divulgação do relatório independente sobre Pedrógão Grande entre o pós-autárquicas e o orçamento de estado. Quando toda a gente quer saber o que lhe vai cair a mais no bolso. Quando o PSD está às turras por uma nova liderança. Quando a acusação de Sócrates vê a luz do dia e toma para si a agenda mediática. Quando, por mais estrondosas que sejam as conclusões do relatório, o ruído à volta é ensurdecedor e dispersa e abafa tudo. Quando, no fundo, já ninguém quer saber. E o resultado está à vista: o que consta do relatório chegaria para fazer cair um governo, mas nem fará sair uma ministra.

É tudo estratégia de comunicação? Chamem-lhe o que quiserem, mas é assim que o PS governa: passando entre os pingos da chuva. Não leu os relatórios. Não soube das informações. Não averiguou as acusações. Não esperava tal evolução dos acontecimentos. Não havia nada que pudesse fazer. Não lhe era possível prever que o mundo mudaria tão inesperadamente. Não era consigo, limitou-se a herdar as complicações. Não viu nada de suspeito nos comportamentos de com quem privou. Ninguém o alertou para situações menos correctas. Não tem a certeza de que os problemas realmente existam – no limite, não existem. Não consegue fazer nada contra a má-fé da oposição. No fundo, a haver culpas, pertencem aos outros.

Uns dirão que a táctica é de génio – até porque, a confiar nas sondagens, funciona. Mas o que é mesmo é uma vergonha um país sujeitar-se a tamanha impunidade, abdicando do escrutínio democrático e sacrificando a confiança popular no Estado. Com 65 vidas em causa e o país novamente em chamas, até onde irá o calculismo do governo?

Esse calculismo irá até onde Marcelo permitir que vá. O Presidente da República tem sublinhado a impossibilidade de o país permanecer sem respostas e sem apuramento de responsabilidades políticas. Mas, como já se tornou evidente, as suas recomendações terão pela frente a resistência dos socialistas, indisponíveis para aceitar que o seu governo falhou. Eis a prova de fogo presidencial. Para garantir justiça quanto a Pedrógão, Marcelo terá de a impor usando da sua força política e, talvez, quebrar a boa relação que tem mantido com António Costa. Estará disposto a isso? É bom que esteja. Perante a gravidade dos factos, um presidente que não sirva para isso, não serve para nada.

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