Antes de ter trabalhado na Comissão Europeia, desconfiava que a defesa dos interesses nacionais era a questão decisiva na política da União Europeia. Depois de ter trabalhado seis anos em Bruxelas, tenho a certeza. O “interesse europeu” é muito bonito mas é secundário. Como me disse um dia um veterano da Comissão, um daqueles cuja experiência impede que ele se engane sobre o essencial, “quem acredita no interesse europeu, não passa de chefe de unidade; os que sabem que o interesse nacional é que conta chegam a director ou a director-geral.” Ele é director-geral; portanto sabe do que fala.

Esta recordação vem a propósito da escolha do Comissário português. A escolha, quer da pessoa como da pasta, deve obedecer em primeiro lugar ao critério do interesse nacional. Quem está em melhores condições de conseguir a pasta que melhor serve os interesses nacionais? Eis a questão que importa. Obviamente que a escolha se faz num certo contexto político que ninguém escolheu; muito menos o primeiro-ministro. A dimensão média de Portugal condiciona logo à partida a escolha. Portugal dificilmente terá os lugares que os grandes querem. Em segundo lugar, os seus concorrentes (os outros países) não perderão uma oportunidade para recordar que Portugal deverá pagar pelos dez anos de Presidência da Comissão por um português. Não é justo, mas é assim (o que mostra de resto como os interesses nacionais são decisivos). O único modo de combater esse argumento será convencer o futuro Presidente da Comissão da sua irrelevância (do argumento, não de Juncker).

O facto de Durão Barroso ainda ter a possibilidade de ser escolhido como presidente do Conselho Europeu condiciona igualmente as opções do primeiro-ministro. Não é por acaso que Passos Coelho esperou pelo Conselho Europeu desta semana para escolher o nome. E fez bem, porque a escolha de um português para presidir ao Conselho Europeu seria boa para o nosso país (já volto a este ponto em baixo).

Se neste contexto, a escolha de uma mulher aumentar as possibilidades de se conseguir uma pasta melhor para Portugal, uma mulher deverá ser apresentada. E, na área do PSD e do CDS, há muitas com valor e qualidades para o lugar de Comissária. O critério do interesse nacional e o contexto político europeu – e o PM é o político português com acesso a toda a informação relevante para a escolha – explicam porque deve ser o primeiro-ministro e o governo a escolherem o Comissário português.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Nos últimos tempos têm surgido uns argumentos bizarros em relação à escolha do Comissário português. Um deles usa a vitória do PS nas eleições europeias para conceder aos socialistas o privilégio de sugerir o nome do Comissário. Isto faria de Portugal um caso único na UE, onde a oposição, e não o governo, escolheria o Comissário. O Presidente francês, como é natural vai enviar um socialista para Bruxelas e não pediu à senhora Le Pen qualquer sugestão. E Cameron escolheu um conservador e não um militante do partido do senhor Farage. Se a Europa seguisse o argumento original de alguns socialistas portugueses, teríamos uma bela Comissão Europeia.

O outro argumento, igualmente bizarro, foi que em 2009 Sócrates escolheu Durão Barroso para presidente da Comissão e por isso, agora, o actual PM deveria retribuir a gentileza. O ponto é que foi precisamente Sócrates, e não o PSD, que escolheu apoiar Durão Barroso. O PM da altura não abdicou do seu poder de escolha do membro português da Comissão. Se agora Passos Coelho quiser escolher um socialista tem todo o direito de o fazer. Mas será ele a decidir e não o PS.

Como é óbvio não foi por gentileza que Sócrates apoiou Barroso em 2009. Fê-lo porque sabia que era do interesse nacional. O presidente da Comissão Europeia deve ser o político europeu com mais acesso a informação absolutamente decisiva para um país como Portugal. Se o presidente for português, muita dessa informação é rapidamente partilhada com o PM e com o governo português. Esta partilha é preciosa, como Sócrates muito bem sabia; e como Passos Coelho também sabe e por isso tem interesse em que Barroso seja o próximo presidente do Conselho Europeu – outro lugar com acesso a muita informação relevante.

Além do mais, em 2009, mesmo que não quisesse apoiar Barroso, Sócrates seria obrigado a fazê-lo. Vale a pena recordar alguns factos importantes. Em Março de 2009, Durão Barroso já tinha o apoio de todos os líderes do PPE (a maioria no Conselho Europeu). Em Abril, um líder socialista, Gordon Brown, apoiou publicamente Barroso. Em Maio, o PPE foi a força política mais votada nas eleições europeias (tal como este ano), e Barroso era o seu candidato. Como é óbvio, Sócrates não podia correr o risco de ficar isolado na oposição a Barroso. O que seria patético.

Em 2009, Sócrates apoiou Durão Barroso porque servia os interesses de Portugal. Fez a sua obrigação. Nem mais, nem menos.