Concluí o meu artigo de há duas semanas alertando, sem elaborar, para os malefícios económicos e políticos de uma maior centralização em Bruxelas, assim como para os crescentes sinais de perigo vindos da própria UE.

Creio que as duas melhores e mais imediatas evidências desses sinais de perigo podem ser encontradas nos resultados das recentes eleições europeias e no processo que culminou com a selecção de Jean-Claude Juncker para Presidente da Comissão Europeia.

Apesar de em Portugal o fenómeno se ter notado menos que em outros países da UE, o facto mais relevante das recentes eleições europeias foram os significativos resultados eleitorais alcançados por partidos anti-sistema. O perfil desses partidos não é unívoco. Alguns, mas certamente não todos, podem ser razoavelmente classificados como extremistas. Uns poderão ser identificados como partidos à esquerda e outros como partidos à direita, enquanto alguns desafiam essa tentativa de classificação e poderão ser mais fielmente descritos como movimentos populistas.

A compreensão com maior exactidão das motivações dos vários eleitorados nacionais exigiria uma análise mais detalhada dos resultados e da situação política interna de cada país, mas há pelo menos uma característica comum que pode ser identificada em muitos desses partidos e movimentos: a capitalização de um profundo sentimento de descontentamento popular relativamente à União Europeia.

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Pelas implicações para a UE, merecem particular destaque as situações da França e do Reino Unido.
Em França, recorde-se, venceu a Front National, liderada por Marine Le Pen que com um discurso frontalmente anti-UE ficou muito perto dos 25%. No segundo lugar, com perto de 21%, ficou a UMP, mas o mais significativo é verificar como o discurso de muitas figuras de topo da UMP se tem vindo a aproximar progressivamente do da FN em alguns assuntos chave, como a liberdade de circulação interna de pessoas na UE. Os socialistas liderados pelo Presidente Hollande, que ainda há relativamente pouco tempo era visto por muitos como o salvador do “projecto europeu”, não foram além de um humilhante terceiro lugar, com menos de 14% dos votos.

A situação no Reino Unido não é mais animadora para o rumo actual da UE. O United Kingdom Independence Party (UKIP), que tem como principal ponto programático a saída do Reino Unido da UE, venceu as eleições reunindo cerca de 27% dos votos e provocando um terramoto no Partido Conservador, que ficou no terceiro lugar, com 23%, atrás dos 25% dos trabalhistas.

Estes resultados, assim como a elevada taxa de abstenção nas eleições europeias, deveriam idealmente ter suscitado reflexão sobre o actual rumo da UE, mas infelizmente parecem ter motivado apenas uma fuga para a frente. A melhor ilustração dessa fuga para a frente foi o processo de imposição de Jean-Claude Juncker como Presidente da Comissão Europeia por parte das elites entusiastas de uma maior centralização na UE. Foi claro ao longo do processo que o que esteve em causa nunca foi a defesa do perfil de Juncker para o cargo, mas antes a concretização simbólica de mais um passo no avanço a qualquer preço da “construção europeia”. As prioridades centralizadoras e estatistas de Juncker são uma concretização natural desse mesmo “avanço”.

No meio de tudo isto, a subida dos European Conservatives and Reformists, tornando-se o terceiro maior grupo no Parlamento Europeu, constitui a melhor esperança para a UE inverter o rumo centralizador e construtivista sem colapsar nem abrir caminho a extremismos. Infelizmente, este potencial parece em vias de ser desbaratado pela hostilidade aberta com que o ECR e as posições do Reino Unido têm vindo a ser recebidas por parte do bloco central euro-construtivista.

A recente remodelação governamental no Reino Unido deve ser vista também em parte como consequência desta situação na qual, não obstante os vários sinais de alarme, os construtivistas insistem cegamente em prosseguir no rumo centralizador traçado.

Por cá, como vem sendo hábito, as atenções estão mais centradas nos milhares de milhões de euros que se espera obter via UE para distribuição interna nos próximos anos. Faríamos melhor como portugueses, em vez de nos limitarmos a condenar os eleitorados de outros países europeus por se terem “enganado” a votar, em prestar seriamente atenção a todos estes sinais e começar a tomar consciência que não devemos mesmo contar com nenhum Maná da Europa. Com tudo o que essa compreensão implica.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa