O Parlamento acaba de votar favoravelmente a lei da eutanásia (do grego, “boa morte”).

Isto porque os parlamentares se preocupam com o direito que todos aqueles que, acometidos por lesão definitiva de gravidade extrema e amplamente incapacitante”, devem ter para pedir conscientemente a antecipação da sua própria morte, sem sofrimento, e o Estado para a garantir. Poderemos elaborar sobre questões semânticas, talvez substantivas, como a necessidade da natureza fatal da doença que permitirá aceder ao direito a uma “boa morte”, mas essa é uma discussão agora ao lado. Aceitemos que o tema da eutanásia é um tema atual e transversal a sociedades altamente civilizadas. Para mim, enquanto médico e defensor incontestável da vida, considero que a medicina se deve ocupar das fronteiras da vida e, se ajudamos a nascer, por que não devemos ajudar a morrer, sem sofrimento, quando a vida perde irreversivelmente sentido e tal parece eticamente justificado? Dito assim, parece simples, mas não é… Primeiro, não basta que um cidadão peça para morrer, caso diferente do direito ao aborto que, para ser exercido, basta ser pedido dentro dum intervalo “aceitável”. No caso da eutanásia, será preciso que se conheça o peso das motivações para que o pedido para morrer possa vir a ser aceite, e esta é a razão para que o presente documento tenha vindo por diversas vezes ao Parlamento, para além de desapacientar as consciências morais…. É que, quanto menos precisas forem as condições de enquadramento, maior será o leque dos abrangidos e, logo, o risco de aí vermos abrir uma perigosa e letal caixa de pandora, com o risco de fazer antecipar a morte daqueles que, estando frágeis e sem autonomia suficiente, possam vir a ficar à mercê de critérios demasiado facilitadores e eticamente questionáveis.

Mas admitamos que seria agora o momento absolutamente inadiável (?) para garantir aos Portugueses a lei para uma “boa morte”. Infelizmente, nem sempre o Chronos coincide com o Kairos, ou seja, o tempo e a oportunidade nem sempre se ajustam. Assim, vejamos: num momento em que o SNS atravessa uma das mais graves crises – a COVID, a pós-COVID, a dos doentes que ficaram para trás, a quebra de moral, o desinvestimento e o abandono profissional, que tornam hoje numa penosa aventura o acesso aos serviços públicos de saúde; num momento em que são os idosos e os mais frágeis e necessitados que mais sofrem com essa crise na Saúde, são eles também quem, de entre os europeus, pior qualidade de vida afixam nos últimos anos dessa vida. Perigosamente, também os “clientes” potenciais mais naturais, digo, mais vulneráveis para a eutanásia.

O Parlamento escolheu este momento para aprovar uma lei que já lhe tardava, mas teria parecido muito melhor e teria feito mais sentido que o pacote legislativo da “boa morte” tivesse sido precedido por um outro, o da “boa vida” – este devotado aos cuidados continuados e aos cuidados de proximidade e focado nos idosos mais frágeis, porque estes cuidados estão hoje tanto em falta no Sistema de Saúde Português. Talvez assim se viesse a reduzir a necessidade de recorrer à eutanásia e ao trabalho daqueles que, na minha profissão, possam vir a estar disponíveis para a praticar em moldes demasiado liberais. Pena que o Chronos para eutanásia tenha sido este, porque o Kairos não poderia ter sido pior. É uma pena!

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