10th of June 2020

Aqui em St Andrews têm estado temperaturas baixas, chuva, muito vento e pouco sol. Mas mau tempo no canal, é o que se passa com o racismo, e o assassinato do George Floyd nos USA. Quem é que não ficou apavorado com aquelas imagens brutais? O assunto assumiu proporções globais, e conduziu aos maiores dislates. Fico estarrecido com a vandalização da estátua de Winston Churchill, um símbolo inquestionável da democracia e da liberdade: os vândalos acusam-no de imperialista. E muitas outras estátuas aqui no UK, uma demência! Em França muitos escritores clássicos dos últimos 300 anos estão a ser banidos, dado o conteúdo considerado de carácter colonial ou racista. Olhe: eu já cancelei a minha subscrição da HBO por eles terem censurado a 100% e retirado do catálogo “Gone With the Wind”, “E Tudo o Vento Levou”, uma vergonha! Foi o filme mais visto de todos os tempos. Tinha que ser feito, pois o Los Angeles Times escreveu que “ignorava os horrores da escravatura”…

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Francamente, não sei onde se vai chegar. A escravatura elimina a personalidade jurídica do indivíduo, que passa a ser uma coisa. Modelo de degradação pior não existe. Mas a humanidade praticou-a durante milhares de anos, e só começou a interiorizar e a compreender essa violência a partir do século XIX. Mas o Hans acha que no século XXI não pulula a escravatura? Acha que os árabes não escravizaram brancos, que os negros não escravizaram outros negros, que os brancos não aprenderam com eles essa abjecta forma de comércio?

Na CNN, que é uma espécie de AvanteTV, à americana, uma comentadora de seu nome Angela Rye, apelou ao derrube das estátuas do George Washington e do Thomas Jefferson! A dialéctica da mulher foi de pôr os cabelos em pé!

Existe um universo de gente perversa, sobretudo nos Estados Unidos, no Reino Unido, e em França, que estão a tentar dar um passo gigante para virar do avesso a palavra liberdade, erradicar a nossa história, e acabar com o homem branco e heterossexual. É um processo revolucionário do “politicamente correcto” em que até o feminismo é vandalizado. E a sensação que dá é que os políticos perderam o pé na liderança, agora nas mãos de um movimento aterrador, que nos quer impor um regime profundamente racista, dando hurros pelo anti racismo, uma perversidade indecifrável. Tenho de esfregar os olhos para saber se estou mesmo acordado e a assistir a estas coisas….

O meu caro Hans repare mais uma vez no exemplo dos nossos queridos Lusitanos. Estive a ver na RTP Internacional aqui em St Andrews a celebração do Dia de Camões, do Vasco da Gama, e da Pluriraça Portuguesa. Foi hoje, dia 10. Percebi tudo o que o Presidente Marcelo e o Cardeal Tolentino disseram, ambos com nota 10/10. Mas olhe que se aqueles agitprop da CNN, se os vândalos do Churchill, se a HBO e se outros parecidos pudessem, tinham vindo largar umas bombas em cima do Mosteiro dos Jerónimos, tal a poderosíssima simbologia civilizacional que tudo aquilo exibiu, e que aqueles dois senhores tão bem sublinharam. E é com isso que os revolucionários enlouquecidos querem acabar. É claro que, na Lusitânia, a extrema-esquerda acha interessante alinhar com aqueles dementes e até tem que se manifestar em inglês contra o racismo. Nem em português ali se percebe o significado dessa palavra. Como os dois bem sabemos, os lusitanos não podem ser racistas: só se for para se auto-imolarem, tal o cocktail genético que levam no sangue…

Os vandalizadores da estátua do Padre António Vieira? Deve ter sido alguém vindo de um Estado Democrata da América. Se não, repare: nos USA o assunto é mais nebuloso do que o Hans imagina, numa patologia social bem identificada por Obama. Os afro-americanos de Minneapolis, New York, Baltimore e Los Angeles pertencem a cidades governadas há dezenas de anos pelo Partido Democrata, sendo os Democratas os responsáveis pela seleção, emprego e disciplina dos polícias. Cidades essas onde além do Floyd, muitos outros negros foram mortos ou brutalizados por essas polícias. E querem imputar os seus falhanços de há 40 anos ou mais a Washington e à Casa Branca, apoiados pela CNN, New York Times, etc. Total de pessoas mortas pela polícia em 2018: 50%, brancos, 25%, negros. Apesar de os afro-americanos serem apenas 13% da população, 39% dos roubos e 54% dos assaltos é deles a autoria. Em 2018 por cada negro morto por um branco, houve 11 negros mortos por outros negros. Fica-se confuso.

Por onde é que anda perdido, que nem me atende o telefone? Grande abraço & regards,

11 Juni 2020

A sua carta incomodou-me, e nem quero pensar nos absurdos que comenta. Semana atípica esta. O tumulto em redor é tanto, que necessito de isolamento, urge-me a solidão, e a contemplação. E assim, ando fugido.

E aproveito para meditar na mudança de imagem de marca Woschiems que quero fazer. Tema delicado para um poderoso grupo empresarial como o meu! Nunca esqueça que quando a Coca Cola em 1985 inventou a New Coke, a Pepsi reagiu logo, e no Brasil publicavam anúncios a página inteira “eles piscaram primeiro”: foi o fracasso total da New Coke, e uma paulada na Coca Cola. Eu tenho especialistas às dúzias, e estou a ouvir pareceres de alemães, norte-americanos e brasileiros, estes dois últimos tip top. E estão a confluir, o que me deixa feliz.

Se calhar sabe que a Deutscher Werkbund (associação alemã de designers, arquitectos, etc), foi fundada a 5 de outubro de 1907, ligada depois ao movimento Bauhaus. Foi encerrada durante o regime nazi e reaberta para voltar a produzir design alemão no pós-guerra. Entre os primeiros artistas do movimento de relançamento, fez parte um jovem nascido na minha terrinha Krefeld, chamado Klaus Mayer, amigo de sempre, apesar de dez anos mais velho que eu. Por volta de 1955 este magnífico aspirante a designer, criou o primeiro logotipo para a Woschiems AG, trinta anos antes de eu me envolver a sério neste sonho que agora é o que é.

Em 2020, e especialmente esta semana, decidi repensar toda a marca Woschiems. Tudo parou devido à pandemia, mas eu não, nunca!, e continuo a tentar replicar a capacidade inovadora do Musk neste mundo completamente novo e diferente que o CV19 nos obrigou a descobrir. E a identidade gráfica também entra nas minhas novas ideias! Você, caro William, e os meus amigos Elon Musk, Tim Cook e o Jeff Bezos vão gostar! O design é de novo da autoria da família Mayer, como sempre foi a tradição, mas desta vez pela mão do arquiteto e designer Thomas Mayer, mais conhecido por Enkel. As ideias já vão muito adiantadas e agradam-me. Espero poder apresentar ao meu Vorstand, Conselho de Administração da Holding, que tenho vindo a massajar (boa metáfora, hein?) para conseguir à primeira o ámen daqueles sabichões. Mas antes quero mostrar ao William detalhes, talvez para a semana, e ouvir a sua desassombrada opinião.

E agora preciso de desabafar consigo sobre assuntos da alminha, nem me importa que o William seja na Scotish Church, um “anti-papa”. O que interessa é que me conhece melhor que ninguém.

Estava tão exausto com a pressão do trabalho na Woschiems, que decidi fusionar-me com a inexcedível grandeza do belo nestas zonas dos Alpes bávaros onde me encontro. E sabe como? Pois de bicicleta, solitário, místico, 50/60 km por dia a altitudes médias de 1.500 metros! Dou ao pedal por veredas onde não vejo vivalma, um Crucifixo em cada encruzilhada, atravessando florestas, prados, propriedades agrícolas perdidas no meio de nada, encostas infindas coloridas com as flores campestres no seu apogeu de Junho. Tudo paisagens que me fazem parar, extasiar, e ajoelhar em prece, sempre esmagado pelas montanhas que me rodeiam, muitas ainda com neve, que brilha numa brancura ofuscante contrastando com um azul ferrete lá nas maiores alturas. Gott überall !!! Deus omnipresente!

Hoje estou num hotelzinho da Alta Baviera, em Lenggries, dia do Corpo de Deus (26º de temperatura, sol radioso!). Às 6 da manhã, os locais, vestidos a rigor, conforme a profissão, emergiram, todas as mulheres com vestidos típicos até aos pés, as solteiras usam-nos brancos, e com flores no cabelo, e muitas com decotes generosos e seios erguidos por coletes apertados. Homens de lederhosen à dúzia! A cerimónia religiosa começou às 8 horas na Igreja de St Jakob (homens à direita da nave, mulheres à esquerda), mas a Missa foi ao ar livre, seguida de procissão por esta terrinha católica como nenhuma. Devia estar a aldeia inteira, tudo a respeitar distâncias! Rezei pela minha Família, por si, e pelos milhares de colaboradores da Woschiems. E pelos líderes lusitanos que inspiraram a impactante cerimónia dos Jerónimos que me descreveu.

Apesar de tanta entrevista e fotos nos media, ninguém me reconhece com esta ridícula fardamenta de ciclista, e capacete. Mas um aldeão convidou-me para um delicioso Sauerkraut com Wurst e Bier vom Fass, à pressão. No final não resistiu e perguntou discretamente se eu era o Hoffmann da Woschiems. E Domingo volto para Krefeld. Como são 700 km, vou no aviãozinho da empresa.

Heute bete ich für Sie, com um abraço muito amigo

Palavras Cruzadas é o título de uma série de cartas íntimas trocadas entre dois amigos. Um é alemão (Hans Hoffmann), residente em Krefeld, perto de Dusseldorf, e outro escocês (William Archibald), residente em St Andrews, na Escócia, mas ambos com casa em Portugal, país que os apaixonou. A correspondência tende a revelar um Portugal e um mundo vistos por Hoffmann na perspectiva da floresta, mas mais como árvore nas cartas de Archibald. Misturam nessa correspondência acontecimentos políticos, sociais culturais e económicos tanto portugueses como internacionais, revelando o seu cosmopolitismo. Usam de ocasional ironia em factos por vezes semi-ficcionados.