4 Juni 2020

Vou ter os próximos dias tão ocupados, que nem espero pela sua carta.

Mas muito e muito obrigado pela caixa de 6 garrafas do monocasta Tinta Francisca da Ferreirinha que me fez chegar aqui a Krefeld. Granda pinga! Para Portugal parece caro, mas aqui, um vinho de igual categoria, custa o dobro, pelo menos! A Sogrape está de parabéns! Você na sua carta esqueceu-se, e percebo a razão, de falar na casta Blauerportugieser: comparar com a Tinta Francisca, que é um Rolls Royce, é absurdo. A Blauerportugieser tem uma produtividade excessiva, e os vinhos dela resultantes não são grande espingarda (adoro estas expressões lusitanas!). Não sei por que é que um agente do então bilionário Johann Graf von Fries trouxe do Porto em 1772 essa casta para a Áustria. E, se quer que lhe diga, os meus amigos vinhateiros alemães e austríacos que a usam, acham que a casta devia deixar de se chamar portuguesa, portugieser: consideram essa designação um insulto para as castas do nosso querido Douro, infinitamente melhores. Lá ninguém usa a casta Português Azul, que existe, mas reduzida quase a zero.

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Não posso deixar de lhe confessar que eu, alemão de carne e osso, sinto uma tremenda vergonha com a questão do anti-semitismo do seu Corbyn, que felizmente foi à vida, Sir Keir Starmer, o novo leader do Labour está a tentar emendar, eu sei, Got sei dank!

E também sinto vergonha total com o racismo que agora emerge mais uma vez nos USA. Tema mais penoso é difícil, em que os nazis refinaram até aos extremos mais horrendos com o Holocausto, legando para sempre um peso de chumbo na minha, e na consciência de todos os alemães. O William e eu temos as nossas afinidades muito ligadas a Portugal, mas é raro falarmos de assunto tão sinistro quanto o racismo. Mas o que nas nossas conversas não nos cansamos de lembrar é uma das qualidades mais importantes dos lusitanos, e que nos cria tanto afecto. Pois claro, é o ADN deles, onde o racismo sempre esteve muito ausente. Sabe que os lusitanos, andassem por onde andassem por esse mundo de Deus, e até por encorajamentos saídos do poder, misturavam-se e casavam-se com naturalidade com brancas, cinzentas, azuis, amarelas, negras, roxas, cristãs, judias, muçulmanas, budistas. Amavam, e casavam, ponto. Em Portugal, desde a reconquista, mais tarde com os milhares que arribaram do além mar a partir do século XVI, e depois durante séculos,  e até hoje, os casamentos inter-genéticos foram a eito. Se o William tivesse visto a exposição “A Cidade Global” no Museu Nacional de Arte Antiga em 2017, perceberia melhor a razão de o racismo e de o anti-semitismo em Portugal sempre terem sido “não assunto”. Sim, o caso da Inquisição e a expulsão dos judeus foi página negra, mas atípica na história deste país, que estudo com afinco. Olhe William, eu acho que não há um único português que não seja misto de judeu, berbere, preto, amarelo, indiano! Estou em crer que a esmagadora maioria dos lusitanos, seja qual a raça, sexo ou a religião, ou o mix disso tudo, não consegue entender ou interiorizar a palavra racismo, e muito menos o sentimento! Um exemplo para o mundo!

Estou impressionado com o seu primeiro, o Boris: ele tem Bälle, balls como vocês dizem, em inglês. Na quarta-feira não se ensaiou nada para escrever um artigo no The Times, a dar todo o apoio aos cidadãos de Hong Kong, a quem Pequim, contrariando e violando todos os tratados, quer eliminar as liberdades democráticas. Se os chineses não ganharem juízo, os britânicios vão facilitar visas, passaportes, licenças de trabalho e tutti quanti aos hongkonguenses que quiserem: são três milhões de pessoas! Nem a minha Merkel, que foi trucidada por deixar entrar um milhão de emigrantes aqui na Alemanha! Claro que o Reino Unido tem responsabilidades históricas com Hong Kong, eu sei. Mas daí a ter a coragem de se comprometer a escancarar as portas àquela gente toda se o Xi abusar, que o Boris tem as tais Bälle, lá isso tem. Sim, por que os amarelos não param de abusar, estão bélicos, provocadores, insultuosos, o Xi parece o Hitler sem bigode e mais gordo, e a exibir músculo com voz grossa a cada minuto tal Nazi ou tal Soviético de tempos idos.

E Macau um dia destes vai pelo mesmo caminho que Hong Kong. Você, William, e eu, amamos os lusitanos por causa daquele feitio deles, da incrível generosidade, da palavra saudade, da nonchalance, da nostalgia do fado, tudo em geral sob um céu azul radioso, e uma temperatura tão suave. Mas não me parece que dê aqui à Costa uma inspiração em favor dos macaístas à maneira do Boris, caso aconteçam coisas parecidas com as Hong Kong. Os Lusitanos não podem ter tudo, caramba!

No meio disto, acontece o improvável: o HSBC, Hong Kong & Shangai Bank Corporation, o 7º maior do mundo, e com raízes fortíssimas aí no seu UK, está a alinhar com os chineses nas leis anti-democráticas que Pequim quer impor lá em HK! O William, que tanta relevância teve na City de Londres, deve estar estarrecido! O vírus esquerdizante que infecta e paraliza muitos lusitanos, deve adorar esta história: um banco global que é comuna! Sabe o que fez a minha Woschiems AG, que tem tido relações importantes com o HSBC em todos os continentes? Cancelou todas as contas e todos os negócios com eles. Ficaram a gemer. O Mark Tucker, o Chairman, que é meu amigo, telefonou em pânico: não dei trela…

Sehr freundlische abraços,

6th June 2020

Da minha fome de golf, desforrei-me no Old Course com o amigo Rollo, Na terça, saímos às 7.03, estavam 10 graus e um ventinho do Oeste contra, de cortar, a 16 km por hora. Mas no buraco 13 cresceu para 44 km por hora! Aquilo foi uma luta. No 11 foi trágico, um par três a que chamamos o par cinco mais curto do mundo. Em vez das três ou duas habituais, fiz cinco pancadas, e o Rollo, seis. Até ali tinha estado a fazer o par do campo. Mas no 17, com o vento de lado a quase 50 km por hora, mesmo assim fiz birdie (o Rollo fez 5 pancadas, que com aquele ciclone voltou a repetir no 18), onde, por milagre fiz birdie outra vez, três pancadas. Ou seja, fiz o par do campo depois de tanto tempo sem jogar! O Rollo acabou dois acima, deprimido, e a querer desesperadamente encaixar a comissãozinha desta minha casa que três clientes deles estão desesperados para comprar, perceberam que gosto do Porto! Tivemos de despachar dois gin tonics seguidos, e um bom Haggis ao almoço (o Hans odeia esse magnífico prato escocês, eu sei!), concluído com chave de outro com um Dow’s Port Vintage 2011, única forma de recuperar de 4 horas dominadas pelas fúrias atmosféricas causadoras da minha exaustão, e de um drama psicológico ao Rollo!

No final fui dar uma volta por esta St Andrews quase deserta de estudantes, turistas e golfistas e entrei numa loja onde comprei um perfume que há muito não via, da marca Coty, para oferecer a uma senhora com quem fui jantar… no questions please caro Hans. Tive uma parenta afastada, mulher de rara beleza, que utilizava um perfume e um bâton muito apelativo que titilava comigo: eram da marca Coty. Coitada, essa parenta que me causava tremores incestuosos já partiu muito jovem para outros prados, mas a Coty não! O François Coty, fundador da empresa Coty, era perfumista, e durante a primeira guerra mundial fez um fortunão em França, um homem que, além de ser autor de fragrâncias inebriantes, era de direita, e dono do Le Figaro. Com dezenas de anos em cima, a Coty transformou-se num monstro com 20.000 empregados em 46 países, com receitas de US$9 biliões anuais. Aquelas fragrâncias para mim tornaram-se fetiche, a atraírem este seu amigo como um íman para mulheres bonitas que as usassem. Assunto para o canapé do Freud, parece! Mas negócios são negócios, e só lhe venho falar nisto pois o Henry Kravis, que conheci e de quem fiquei amigo nos anos 80 quando ele fez aquela mega-operação de 18 bi com a General Foods, e que intermediei nos meus áureos tempos da City, descobriu que a Coty estava aflita. E com a KKR que ele controla, comprou aquilo por tuta e meia, chamou-lhe um figo. E as senhoras minhas amigas que, além das fragrâncias, todas usam Rimmel, que é também da marca Coty, ficam agora à mão de semear do Henry Kravis, que é um sedutor do belo sexo, e do dinheiro às pazadas que o génio financeiro lhe traz.

Graças às afinidades que tenho com a França (como aliás a história da Escócia — muitos carros circulam aqui com a identificação Écosse, ao lado da matrícula), domino bem o francês, mas não é só pela agitação sexual dos perfumes Coty.

Acho que, se o idioma galo do Hans não estiver enferrujado, devia assistir de segunda a sexta, no canal francês CNews ao programa do Eric Zemmour. O canal CNews consegue-o ver grátis fazendo o download da aplicação com esse nome para o seu iPad, iPhone ou PC https://www.cnews.fr/le-direct, e vê-se em directo, e até pode recuar se não chegar a tempo ao programa do Zemmour . O Eric Zemmour faz-me lembrar o Aznavour, e não é por que rima, mas fisicamente. E o que ele canta é um raciocínio estruturado do pensamento de direita, cristalino como a água da fonte, baseado em dados concretos e de lógica arrasadora. A França tem uma tradição riquíssima no pensamento de direita, até hoje. E Zemmour, que além do Cnews, publica textos notabilíssimos no Le Figaro, escreveu um livro de um realismo assustador intitulado “Le Suicide Français” que devia ser de leitura obrigatória a partir do 6º ano do secundário na Lusitânia, suponho que sobre o cadáver da Fenprof. Pelo título, é fácil perceber do que se trata. Seria uma vacina que a direita lusitana iria encontrar! Em Portugal não encontro, com bastas excepções de grande qualidade, laboratórios abrangentes capazes de pensar, investigar, e verbalizar um pensamento de direita estruturado. Vá de papel e lápis ouvir o Zemmour no Cnews às 18 horas de Krefeld (no Porto, e aqui em St Andrews, é às 19): são masterclasses diárias! O pensamento de direita conceptualizado e, naturalmente, polémico.

Kindest abraços deste seu amigo sempre às ordens,

Palavras Cruzadas é o título de uma série de cartas íntimas trocadas entre dois amigos. Um é alemão (Hans Hoffmann), residente em Krefeld, perto de Dusseldorf, e outro escocês (William Archibald), residente em St Andrews, na Escócia, mas ambos com casa em Portugal, país que os apaixonou. A correspondência tende a revelar um Portugal e um mundo vistos por Hoffmann na perspectiva da floresta, mas mais como árvore nas cartas de Archibald. Misturam nessa correspondência acontecimentos políticos, sociais culturais e económicos tanto portugueses como internacionais, revelando o seu cosmopolitismo. Usam de ocasional ironia em factos por vezes semi-ficcionados.