Alguém disse dívida pública? O Partido Socialista quer apenas ouvir. No caso da proposta parlamentar do BE sobre a matéria, absteve-se com argumentos que deixariam perplexo o mais contorcido sofista: por um lado, não concorda “integralmente” com os termos da proposta, e por isso não vota a favor; mas por outro lado, respeita a “iniciativa de largos milhares de cidadãos” que requereram o debate, e por isso não vota contra. De resto, trata-se de um “problema” que tem a característica de ser “europeu”, isto é, que só os outros podem resolver.

Os partidos à direita, tal como os partidos à esquerda, aproveitaram para exigir “esclarecimento” ao PS. Mas o PS não tem o exclusivo da evasão política. Veja-se o caso do governo. O Orçamento de Estado? “É o que pode ser”. Entenda-se: não é o que o governo pretendia. Reforma do Estado? Só com o PS, de modo que se não há reforma, não peçam contas ao governo. E para o resto, servem-lhe os rumores sobre as desinteligências da coligação, que permitem a cada um dos parceiros governamentais insinuar que não faz o que quer, ou não quer o que faz.

Nada disto é misterioso: estamos a um ano de eleições e ninguém se quer comprometer. Mas nas actuais circunstâncias do país, parece haver uma disponibilidade inédita para tratar esta manha pré-eleitoral como sinal de “responsabilidade” e prova de “realismo”. Nos debates com Seguro, Costa já demonstrou como a retranca e a ambiguidade, que outrora justificariam suspeitas de impreparação ou de segundas intenções, podem agora passar por uma honesta relutância em fazer “promessas” ou por um lúcido reconhecimento de falta de “margem de manobra”.

Não vou diminuir os “problemas”. Os compromissos que nos foram impostos pelas urgências financeiras encerraram a fase da democracia à D. João V que vigorou até 2011. A incerteza é grande: o crescimento económico a reboque do resto do mundo, como no final de crises passadas, parece menos provável quando tudo arrefece, até a China. Mas justifica isto a redução da política a uma guerra de mudos e de calados? Não justifica. Impede isto que haja “estratégia”, como António Carrapatoso reivindicou aqui em relação ao orçamento? Não impede.

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Uma proposta política não tem de consistir em “promessas” ou em exercícios imaginários do tipo “o-que-eu-faria-se-tivesse-todos-os-recursos-do-mundo-à-mão”. A ideia contrária, como a dos que à esquerda confundem uma “política diferente” com a reposição cega de todas as “regalias” e exigem o confronto programático sem tréguas com a “direita”, revela apenas como a nossa vida pública foi simultaneamente corrompida pelo clientelismo e pela demagogia. Uma proposta política atende a princípios, mas também a circunstâncias. Define preferências, mas também bases de negociação. E ajuda os cidadãos, não só a escolher, mas a compreender o que, até certo ponto, podem esperar.

Faz sentido, por isso, exigir uma “estratégia” à oligarquia, mesmo não havendo “certezas” férreas nem grande “margem de manobra”. Qual a combinação de receita e de despesa com que esperam efectuar a consolidação orçamental? Que enquadramento legal e fiscal pensam ser mais propício ao trabalho e ao investimento? Como tencionam garantir protecção social a uma população a envelhecer? E que combinações políticas estão disponíveis para admitir de modo a governar com estabilidade?

Se os nossos oligarcas se recusarem a esclarecer isto, estarão apenas a tornar-se eles próprios o maior factor de incerteza. A propósito do Orçamento, Maria Luís Albuquerque disse que não haveria “surpresas” para o próximo governo. Mas a continuar esta política de mudos e de calados, haverá certamente grandes surpresas para todos nós.