O Observador, numa longa peça sobre a necessidade da nova Ala Pediátrica do Hospital S. João, escreve em determinado momento que “ninguém teve coragem política para avaliar a necessidade daquela obra e para chegar lá e dizer ‘não’ ao Porto. Dizer que o serviço não é preciso seria um discurso muito mau em termos de resultados eleitorais, nenhum político o poderia ter. E o problema tornou-se irreversível”, comenta uma fonte próxima deste processo”.

Este pensamento que se insinua de forma subliminar no artigo, sugere que a obra seria desnecessária pois existe o IPO e o CNIM que dariam resposta às necessidades metropolitanas de cuidados pediátricos. Compreende-se essa visão de observadores leigos, mas vale a pena aprofundar essa questão vital para claro esclarecimento de todo o problema.

A Pediatria foi, durante muitos anos, uma especialidade médica de cuidados de puericultura. Um dos Professores da Faculdade era conhecido como o Papinhas! Todavia, nos anos 80, um Director de Serviço visionário percebeu que era essencial a diferenciação para diagnóstico e tratamento de doenças complexas em crianças, que não deveriam ser encaradas como adultos pequeninos. Promoveu-se então formação de jovens Pediatras em centros estrangeiros de referência e criaram-se Unidades Especializadas com médicos devidamente treinados e experientes. O local onde tudo isso aconteceu, no Porto foi… o Hospital S. João!

Desde então, o quadro médico deste Hospital reúne alguns dos Pediatras com prestígio nacional e internacional em vários domínios da patologia infantil. Médicos de todo o país e do estrangeiro vêm aqui receber formação e experiência. O Serviço de Pediatria tem acompanhado as necessidades assistenciais de alguns serviços muito diferenciados do Hospital, como a cirurgia cardíaca. Os médicos deste serviço têm formado o embrião de várias outras unidades pediátricas por todo o país.

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É habitual dizer-se que a maior riqueza duma empresa reside na qualidade dos seus recursos humanos. Isso é indiscutivelmente verdade no Serviço de Pediatria do Hospital S. João, e não é certamente difícil reconhecê-lo. É verdade que a imprensa veicula frequentemente os exemplos das piores coisas que aqui acontecem, mas ficam esquecidos os “milagres” assistenciais que aqui se praticam diariamente com profissionais dedicados e competentes, que conseguem com enorme sacrifício e dedicação mitigar o efeito de instalações e politiquices que diariamente lhes atravessam o caminho.

Poderá, e deveria ter-se decidido em devido tempo, se o Porto necessita de dois grandes serviços pediátricos e a razões de se terem tomado as decisões hoje conhecidas. Se um só serviço fosse suficiente, onde deveria localizar-se? No Hospital que investiu fortemente no crescimento e especialização da Pediatria ou no Hospital onde o serviço de Pediatria desempenhava correctamente as suas funções, mas num nível francamente menos diferenciado? Está para além desta reflexão dar resposta a essa importante pergunta e ficará ao cuidado dos jornalistas de investigação fazer a história dos protagonistas e intervenções desse processo, agora ultrapassado.

O que é incontornável é que um Hospital ou Serviço não vive só das instalações, espaços, paredes ou mobiliário. Tudo isso é verdade mas não é toda a verdade! Ignorá-lo é falacioso e um mau serviço. Preservar a competência científica e clínica existente é uma obrigação desta instituição e disso deve decorrer a criação de instalações dignas para os doentes e para os profissionais.

O IPO é uma respeitável e prestigiada instituição com excelentes cuidados oncológicos pediátricos, mas sem algumas especialidades pediátricas essenciais ao tratamento global dos seus doentes, que frequentemente necessitam de ser transferidos para o Hospital S. João quando necessitam de cuidados intensivos ou outras subespecialidades pediátricas.

É verdade que o Hospital S. João tem um grave problema de carência de instalações mas é leviano, superficial e ignorante quem afirma que tudo se resolve com a mudança dos doentes para este ou aquele hospital. Um SERVIÇO HOSPITALAR é muito mais do que paredes e instalações. A criação e manutenção de equipas profissionais é um longo processo que pode perder-se se não forem rapidamente criadas as condições de trabalho necessárias à preservação desse património técnico e científico.

A actual agitação pública desta discussão leva a inevitável politização dum assunto que o bom senso deveria manter no domínio das obrigações assistenciais e da preservação de cuidados de excelência às crianças doentes. Só podemos desejar que todo o investimento profissional, bem mais complexo do que “empilhar tijolos”, não se perca por falta de visão estratégica.

Pediatra e Gastrenterologista Pediátrico no Hospital S. João, Porto