É claro para todos nesta altura que Portugal não pode deixar a oportunidade tecnológica passar. Talvez pela primeira vez na nossa história recente existe um claro alinhamento dos recursos endógenos do país com um cluster económico: cluster da inovação. Durante a semana passada os Global Shapers estiveram presentes no Encontro Anual do Fórum Económico Mundial. Pela primeira vez, Portugal teve uma presença estruturada e utilizou este fórum para promover o país e a captação de investimento directo estrangeiro. A receptividade da comunidade internacional é elevada, conseguimos observar um reconhecimento das capacidades do país para suportar a inovação. Somos reconhecidos pela qualidade e fidelidade dos recursos humanos qualificados. Somos percebidos como um país com o caldo de cultura adequado ao desenvolvimento de inovação disruptiva. O cluster de empresas inovadoras é hoje em dia uma bandeira do país a nível internacional.

De facto, esta é a primeira realidade que é fundamental que seja percebida, as empresas disruptivamente inovadoras têm traços comuns entre si que as tornam mais próximas umas das outras do que às empresas tradicionais dos sectores económicos em que operam. Assim, devemos encarar as empresas inovadoras como um cluster Económico e como tal apostar no desenvolvimento e profissionalização deste cluster. Este cluster é internacionalmente reconhecido o que permite ao país ter um objectivo claro: Em 2030 este deve ser o cluster económico com maior taxa de crescimento, rivalizando com o turismo, e ser o grande catalisador da criação de emprego qualificado.

É este objectivo realista? Podemos nós transformar a economia através da inovação? Eu diria que só conseguimos transformar a economia tendo por base a inovação. Só liderando a mudança disruptiva que está a ocorrer no mundo podemos sobreviver à globalização. Se não liderarmos a fuga ficaremos perdidos no pelotão!

Para mantermos esta oportunidade e cristalizarmos o valor potencial para a economia temos que garantir que o momento que tem sido o grande impulsionador da inovação e empreendedorismo se converte em sustentabilidade. Para isso temos que profissionalizar os principais agentes do cluster. Surpreendentemente, dos vários agentes que participam neste processo são os investidores aqueles que, salvo raras excepções, ainda não são profissionais. Não obstante de exigirem aos empreendedores dedicação exclusiva a maioria dos investidores no ecossistema português investe por hobby.

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É claro que a actividade de investimento em venture capital não se faz como um hobby. Estratégias de investimento aleatório numa miríade de empresas – spray and pray – não são estratégia. Sem um indústria de venture capital profissional nunca teremos um cluster de inovação sustentável. É imperativo que tal como queremos e promovemos os casos de sucesso de empreendedores temos que ter os campeões locais do venture capital, temos que promover a sua existência. Está demonstrado que os casos de sucesso em inovação vêm da conjugação de uma excelente equipa com investidores especializados e dedicados.

Os investidores têm de ser capazes de ajudar as empresas onde investem a navegar os sectores económicos onde operam, exponenciando a capacidade das equipas de gestão com a sua experiência. Nunca esquecendo que estamos a falar de uma actividade que implica uma proximidade elevada entre os investidores e as startups, principalmente nas fases iniciais, temos necessariamente de ter uma indústria de venture capital portuguesa. Nas fases iniciais de investimento estamos perante uma indústria eminentemente local, onde a atracção de investimento internacional directamente para as empresas é improvável.

Numa economia pequena como a portuguesa tem de ser o Estado o primeiro promotor, aliás como já tem feito na última década, mas talvez esteja na altura de repensar a alocação de recursos. Nesta área, um euro de capital directamente do Orçamento do Estado tem um impacto 10 vezes maior que 5 euros de fundos estruturais. Os fundos estruturais que têm sido utilizados na última década para promover o investimento em venture capital regem-se por regulamentos que foram desenhados para incentivar o desenvolvimento económico regional. O tipo de regras que impõem são incompatíveis com a agilidade e profissionalização de equipas de venture capitalists e em alguns casos podem enviesar as teses de investimento dos fundos.

Na realidade, existem exemplos claros em países da mesma dimensão, como a Holanda ou a Bélgica, que mostram que, existindo venture capitalists residentes no país, o impacto económico de longo médio prazo está garantido. Está garantido sem ser necessário que se imponham regras diferentes daquelas que o mercado impõe e sem ter o proteccionismo como preocupação primária das regras de investimento. A indústria de venture capital é um dos principais agentes de captação de investimento directo estrangeiro para os seus fundos e logo para os países onde estão radicados. Se nos compararmos a estes países vemos que em 2017 houve um total de 62 milhões de euros investidos em Portugal em venture capital, que comparam com 210 milhões e 557 milhões de euros na Bélgica e Holanda, para não falar do caso de Israel com 3.932 milhões de euros. Se queremos um ecossistema profissional temos que o dotar com o capital necessário para tal, nas condições de mercado internacionais. Só assim seremos competitivos!

É fundamental que as boas práticas internacionais sejam adoptadas e que seja activamente promovida a criação da indústria de venture capital portuguesa com equipas especializadas em diferentes áreas. Só uma indústria de venture capital de base portuguesa, trabalhando em conjunto com business angels profissionais, que invistam nas áreas onde têm uma grande experiência, pode garantir a existência de startups promissoras em Portugal. Só investidores de referência em Portugal podem criar as relações de médio prazo com os investidores internacionais e atraí-los para investir em conjunto em Portugal.

Só assim conseguimos promover as tão esperadas “saídas” (ou vendas) das nossas startups e com isto gerar os proveitos que sustentam a longo prazo o ecossistema. Para conseguirmos atingir a sustentabilidade o instrumento é simples: um fundo de fundos que siga as melhores práticas internacionais, por exemplo seguindo os critérios equivalentes aos do Fundo Europeu de Investimento, como foi feito na Bélgica ou na Holanda. Claro está que estaremos perante um esforço orçamental adicional, mas convenhamos o esforço orçamental nem um erro de arredondamento no Orçamento do Estado é, ao contrário do impacto económico positivo que gera!

David Braga Malta é especializado na área das Ciências da Vida, com formação de base em Engenharia Biológica pelo IST, tendo passado pelo Imperial College of London durante o mestrado. Concluiu a formação avançada ao abrigo do programa MIT Portugal, tendo-se doutorado em 2012 após um período de investigação de quatro anos no MIT. Fundou a startup Cell2B, com base nos resultados do seu trabalho de investigação sobre o desenvolvimento de produtos de terapia avançada para o tratamento de doenças autoimunes. É investidor, venture capitalist, especializado na área das Ciências da Vida no Fundo Vesalius Biocapital no Luxemburgo.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.